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No romance Enterre Seus Mortos, Ana Maria Machado aborda de forma contundente o período da Ditadura Militar no Brasil, explorando suas consequências para a sociedade e o impacto nas vidas individuais. A trama segue personagens que enfrentam os traumas deixados por esse período sombrio da história brasileira, intercalando memórias de dor, perda e resistência. Com uma prosa profunda e sensível, a autora reflete sobre os silêncios e segredos que permeiam o passado, questionando o preço da reconciliação e da justiça. É uma obra instigante sobre memória, verdade e a luta por liberdade. Foi meu primeiro livro da autora e fiquei tensa em muitas partes da leitura. Realmente nos prende do início ao fim.
A “Trilogia do Fim” de Ana Paula Maia é uma exploração profunda das formas de brutalização do ser humano diante de um mundo que, aos poucos, chega ao seu fim. Com foco nas nossas relações com os animais, seja através da exploração pela morte ou pelo espetáculo, Ana Paula inverte nosso olhar e perspectiva, fazendo-nos encarar que a violência mais selvagem é o cotidiano de uma realidade precária e desumanizante. Entre cadáveres e profetas do apocalipse, a “Trilogia do Fim” de Ana Paula Maia é uma das reflexões mais profundas sobre o que é viver no apocalipse do nosso dia a dia.
Curto. Direto. Seco. Essas são palavras que resumem perfeitamente a trama desse livro. Sem perder tempo situando o leitor, Ana Paula Maia constrói uma narrativa dura e triste igual seu protagonista, Edgar Wilson.
Homem de poucas palavras, Edgar é uma pessoa cujo emprego é recolher animais mortos na estrada (eu não sei você, mas eu nunca tinha parado para pensar que existem pessoas cuja profissão seja “limpar” as muitas vias do nosso país).
As poucas conversas que ele trava é com o seu colega de profissão, Tomás, um ex-padre, e uma figura bem peculiar, já que nunca deixa de dar a extrema unção e confortar os moribundos que encontra, sejam eles humanos ou animais.
Seus dias parecem ser infinitos, um loop, de tão parecidos que são. Acordar, tomar (muito) café, pegar a caminhonete do trabalho, e dirigir sem rumo pelas estradas até receber um chamado acerca de algum animal morto.
Chama a atenção o fato de que Tomás e Edgar parecem ser indiferentes a morte, de tão acostumados que estão com ela. Sem se sentirem abalados com essa rotina, nos chocamos ao ler que eles simplesmente tomam uma xícara de café ou comem um lanche, minutos após acabarem de recolher um animal!!
Mas essa aparente indiferença revela, no decorrer da trama, que na verdade esses personagens não são desprovidos de compaixão. Muito pelo contrário. Eles têm um respeito enorme, que muitos de nós não temos, pela morte.
A morte, aliás, não se encontra apenas nos animais que recolhem, mas está entranhada na região. Inclusive, os animais parecem ser tratados com mais respeito que os humanos nesse aspecto.
O local nunca é nomeado, mas ele se parece demais com várias cidades interioranas que conheci. Lugares abandonados pelas autoridades, e impregnados das mais diversas formas de corrupção.
É uma região desolada, um imenso vazio com algumas casas aqui e ali. Um vazio não só físico, mas existencial também. Um vazio que nos convida a refletir sobre a vida e a morte, e o modo como lidamos com nossos mortos. Ao final, só me restou encarar o teto por minutos a fio, absorvendo essa leitura.
A escrita da autora é soberba, isso não deixa sombra de dúvida. Ela constrói ótimas cenas, ótimos cenários e rotinas de maneira desesperadoramente boa. Porém, não consegui me conectar totalmente com o livro. A crítica ao descaso com mortos, com pessoas pobres, com a igreja e a venda da fé é contundente e fica nas beiradas na maior parte do tempo, mas é importante para a trama. Gostei especialmente do personagem de Tomás, o ex-padre. A jornada dele no dia a dia cuidando dos corpos dos animais -- e das pessoas -- é triste, mas creio que seja a parte com mais sentimento no livro, ou pelo menos a que mais despertou alguma coisa em mim, inclusive o passado dele. O personagem principal parece construído para ser determinado, mas esquecível, alguém que se importa com as pessoas, mas com quem ninguém se importa. Foi minha primeira experiência com a autora e estou aberta a novos textos dela, especialmente porque, como disse no início, o livro é muito bem escrito.
“Edgar Wilson nunca conheceu trabalho que não estivesse ligado à morte. Sempre esteve um passo atrás dela, que invariavelmente encontra todos os homens, de maneiras diferentes.”
Há quem diga que, para trabalhar com a morte, é preciso certa frieza. O que seria se deixassem o sentimento aflorar ao lidar com um corpo sem vida, recolhê-lo de onde quer que esteja, prepará-lo para os ritos finais? Mas até que ponto o exercício de uma função pode se sobrepor à humanidade, ao respeito, à atenção ao próximo, ainda o próximo esteja morto?
Edgar Wilson tinha um trabalho funcional, recolher corpos e restos de animais mortos das estradas e levá-los para triturar. Trabalhava com Tomás, um padre excomungado que ainda dava bençãos e a extrema unção nas redondezas. Exerciam suas funções mecanicamente, mas as coisas mudaram quando Edgar encontrou um corpo humano e o recolheu, levando para o trabalho ao constatar que a polícia local não poderia fazer o serviço por falta de recursos.
Tu te tornar eternamente responsável por aquilo que cativas, já dizia Santi-Exupéry. No caso do protagonista de Enterre seus mortos, ele se sente responsável por aquele um corpo que recolhe, que logo se tornam dois. Na busca por um desfecho digno, Edgar se depara com o descaso, a corrupção e a burocracia de órgãos que deveriam cuidar dos mortos com, no mínimo, respeito. Também encara a brutalidade do ser humano na forma mais crua, que nos faz questionar o valor de uma vida (e se vale alguma coisa).
Em paralelo, vemos a relação das pessoas com a fé, com a religião e o quanto isso afeta o discernimento em diversas situações, das mais óbvias às mais complexas, aquelas que se passam dentro de nós.
O ambiente construído por Ana Paula Maia tem um magnetismo que nos prende, mesmo com um ar pacato. É tão intenso que conseguimos mesmo sentir a tensão. Difícil ler e não imaginar Edgar Wilson, Tomás e os demais personagens em um filme.
A obra é um thriller policial com ares de faroeste e um livro antropológica e teologicamente reflexivo. Recomendo a quem gosta desses estilos a um nível visceral, pois é o que vão encontrar.
"Enterre seus mortos" já estava na minha lista de livros para ler há algum tempo, ouvi muita coisa boa sobre ele, mas pois de ver que a série "Desalma" havia sido escrita pela Ana Paula Maia, este livro pulou de cara para o topo da lista.
É um livro curto, direto e muito dinâmico, as coisas acontecem muito rapidamente... parece quase um roteiro de filme e, curiosamente, apesar de se passar no interior calejado do Brasil algumas cenas como a da lanchonete na beira da estrada lembram muito filmes estadunidenses.
O livro conta a história de Edgar Wilson, que trabalha recolhendo corpos de animais mortos na estrada. Esse é o pano de fundo para uma história de suspense quando numa dessas coletas ele encontra um cadáver de uma mulher. A burocracia e a incompetência das instituições públicas locais que dificultam a coleta desse corpo fazem Wilson recolhê-lo e abrigá-lo por certo tempo. Junto às reflexões de vida e morte que perpassam os pensamentos do coletor de animais, vem o interesse de descobrir o que de fato aconteceu àquela mulher. E, assim, Edgar e seu companheiro de trabalho, Tomás (que é um ex-padre), iniciam uma jornada bem estilo faroeste.
No skoob: https://www.skoob.com.br/estante/resenhas/123474/page:1
Li "Enterre seus mortos" em uma leitura coletiva do Clã das Pretas, coletivo do qual faço parte. Gostei muito da leitura, foi uma experiência nova, porque nunca tinha lido algo tão fora da minha zona de conforto, e isso foi muito bom.
A atmosfera é bastante tensa e desoladora, transmitindo uma constante sensação de abandono. A vida onde a história se ambienta aparenta bastante miserável (embora a situação econômica nunca seja exposta), onde tudo parece faltar e ninguém realmente se importa, como se fosse um padrão, é assim mesmo, vida que segue.
A religiosidade é uma constante na história, uma espécie de presença contraditória, um bem que ao mesmo tempo é um mal. Ou um mal que faz bem. É motivo de brigas, o fanatismo impera e, assim mesmo, parece ser a única coisa em que as pessoas podem se apegar, como se apenas uma força maior que elas fosse capaz de lhes dar a esperança necessária para continuar. Ainda assim, a sensação que reina o tempo todo é que elas se apegam a uma deidade que já as abandonou há muito tempo.
Outra coisa que me chamou profundamente a atenção foi a podridão do “negócio da morte”, algumas vezes relacionada aos animais e outras aos seres humanos. Com relação aos primeiros, muitas vezes me peguei não vendo nada de mais. Porém, ao chegar aos últimos, me observei em crise, sem saber exatamente onde estarão as barreiras entre o animal e o humano e se realmente há coisas passíveis de serem feitas a uns e não a outros.
Com tudo isso, ainda existe um senso de dignidade, ao menos nas personagens principais do livro, que chega a ser surpreendente. Pessoas simples, comuns, e que fazem as coisas não porque querem um lugar no céu, ou sair nos jornais, ou para serem amadas, mas porque acreditam que seja o certo.
Se fosse possível resumir as sensações que o livro traz em uma palavra, eu escolheria “deserto”. Um deserto na alma, uma vida deserta, em que para qualquer lado que se olhe, há apenas a aridez, a secura, mas continua-se caminhando, na expectativa de encontrar um oásis, que, por vezes, aparece como miragem no horizonte.
Eu terminei a leitura de Enterre Seus Mortos em completo desalento. É um livro que nos faz pensar na condição humana, na vida e na morte e até mesmo em assuntos metafísicos, como a religiosidade e o sobrenatural. Um livro arrebatador, que me destruiu e cuja leitura eu recomendo demais!
Nossa que livro incrivel! Não consigo nem descrever o que eu senti com essa leitura!
Eu quis ler a autora depois de ver a série que ela escreveu, Desalma, no GloboPlay e que deicsão acertada! Esse livro fala muito sobre abandono, fé, morte, de uma forma crua e brutal mas sem deixar de ser real, parecia muito que eu tava lendo um relato da vida e não uma ficção! Incrivel demais!!
A história de um homem que trabalha recolhendo animais mortos em estradas. Quando encontra o cadáver de uma mulher, que não pode ser recolhido pela polícia, sua rotina é alterada. Uma narrativa sobre vida e morte escrita por uma das maiores autoras brasileiras.
Segundo trabalho da Ana Paula Maia que tenho contato (o primeiro, uma coletânea com alguns contos avulsos da autora) e fico muito feliz de ler alguém como ela. A escrita de Ana Paula é polida, direto ao ponto, mas isso não significa que seja desprovida de sentimentos - ela consegue expressar a crueza do mundo em seu estilo direto, nas ausências, naquilo que foi deixado de fora. No que li dela até hoje, dá paras sentir que tem uma voz bem marcada enquanto escritora, que sabe contar histórias de um jeito que nos deixe nos limites das nossas emoções ao processar tudo o que ela coloca em palavras. Eu gostei muito desse livro, ela é tão precisa em suas descrições que eu quase consegui sentir o cheiro em algumas cenas.
Aqui iremos acompanhar Edgar Wilson, um homem que trabalha recolhendo animais mortos das estradas. Todos os dias sai com sua caminhonete e aguarda os chamados para ir buscar os animais mortos, levando-os para serem triturados. Entre as outras pessoas que trabalham com Edgar podemos destacar Tomás, um padre excomungado, que o acompanha em boa parte da história.
E sobre o que é a história? Basicamente sobre a morte. O enredo é simples e curto: Edgar Wilson recolhendo animais mortos e encontrando alguns acidentes com um ou outro ser humano morto também. Em muitas destas expedições Tomás o acompanha e tenta amenizar o final da vida destas pessoas com uma oração. Acontecem alguns imprevistos ao longe da história, sobre o destino dos humanos encontrados mortos, que trazem uma certa expectativa ao leitor, como se ele fosse o próprio protagonista.
Para mim este é o ponto forte do livro, e o primeiro motivo que fez eu avaliá-lo com 5 estrelas. A autora conseguiu envolver tanto o leitor com a história, que a gente se sente totalmente imerso, na pele do próprio Edgar Wilson. O segundo motivo é a própria escrita e narrativa. Tão visual, tão crua e real. A gente consegue ver e imaginar cada cena, cada ambiente descrito. E a sensação de estarmos lá é muito grande. O que dá uma certa agonia em algumas partes, claro. A sensação é de estar em um ambiente hostil, árido e sem vida, onde só a morte reina.
Resumindo: AMEI a experiência de leitura. Super recomendo!
Primeiro de tudo que eu nunca tinha parado pra pensar sobre a profissão de retirar animais mortos dos locais. Eu sabia que existia, mas nunca tinha pensado realmente como isso funcionava. E isso foi uma coisa que gostei nesse livro, porque ele consegue dar visibilidade pra uma profissão que provavelmente as pessoas só param pra pensar se trabalharem com isso ou se precisarem dela.
A história dá uma boa visão de como é a rotina do Edgar, dirigindo o dia inteiro esperando chamados, indo até os locais, retirando os animais mortos, levando para o depósito e triturando/moendo todos para virarem adubo.
Mas há uma quebra nessa rotina quando ele se vê em situações que fogem desse padrão do que ele tem que fazer/o que é esperado que ele faça. Como quando alguém precisa de ajuda ou ele encontra uma mulher morta. E são nesses momentos que a gente consegue entender um pouco mais sobre como o Edgar é.
Ele é um cara simples, que parece ir direto ao ponto e fazer o que precisa fazer, sem pensar muito a respeito. Parece fazer só o mínimo necessário pra cumprir as regras e fazer o que é sua obrigação. Fugindo muito pouco disso. E isso foi algo que chamou a minha atenção.
Até que ponto a rotina, o fazer a mesma coisa todos os dias, o seguir as regras e tentar não arranjar problemas pode impedir as pessoas de pensarem criticamente, terem empatia ou só sentirem prazer no que estão fazendo?
O personagem, por exemplo, parecia muito conformado, como se aquilo fosse o que tivesse que fazer e não existisse outra opção. Eu acho que é importante se questionar sempre que possível e levar em consideração a situação do outro. Em alguns momentos, o Edgar faz isso. Mas parece ser mais fácil pra ele lidar com os mortos do que com os vivos. As decisões que ele tomou com relação aos mortos foram muito mais rápidas e certas do que com pessoas vivas que precisavam de ajuda.
Isso me fez pensar no fato de muitas pessoas só seguirem as regras, não se permitindo fazer diferente delas, ou porque tem medo de consequências negativas (como perder o emprego) ou porque simplesmente não se importam.
Em alguns momentos a autora fala sobre como o Edgar dirigia devagar (ele também para bastante pra fumar e parece que a vida vai se movendo numa certa lentidão), mostrando como não tem muita coisa que acontece, é sempre o mesmo, dia após dia. Como o próprio ambiente que ela descreve, que é a cara da morte, as mesmas pessoas e os mesmos rituais religiosos praticados por um certo grupo.
Eu tava pensando sobre isso e fiquei me perguntando se esse não era o objetivo. Tipo, se tudo ali não quer só mostrar que é assim mesmo a vida dele, sem emoções, todos os dias iguais, sem conexões mais fortes. Eu, particularmente, não consegui me conectar com o Edgar, e isso talvez seja porque ele mesmo não se conecta com nada. Esse não é um livro que trás muitas emoções, tanto é que terminei há dias e não tinha ideia do que eu tinha achado dele, nem se tinha gostado ou não, mas talvez o livro tenha sido propositalmente feito sem sal porque é como a vida do Edgar é.
Eu acho livros desse tipo interessantes porque pra mim a "ação" ou a história acontece muito mais fora do que dentro dele. Ele provoca muitos questionamentos e não te dá as respostas. Esse, em particular, me fez pensar muito no papel da religião na vida das pessoas, na opressão causada pelas regras, pela rotina, e como nossas ações (ou a falta delas) têm consequências.
Apesar de curtinho, acho que é um livro pra ser lido devagar. Não é um dos que eu mais gostei, mas recomendo. Só não espere reviravoltas, emoções ou surpresas.
Enterre seus mortos é a mistura insólita de uma narrativa dura e árida como o lugar "esquecido por Deus", onde a história se passa, com uma trama intensa e triste, protagonizada por personagens simples, mas que sensibilizam profundamente o leitor. A morte permeia toda a trama, em suas diversas facetas, e a autora escancara a desigualdade social e o desprezo reservado para as pessoas em estado de vulnerabilidade - seja por sua condição social, raça, profissão ou orientação sexual -, tanto que é chocante como, algumas vezes, os animais são tratados com mais humanidade e dignidade que os próprios seres humanos, especialmente no momento derradeiro da morte. Essa, aliás, é a maior preocupação (e medo) do protagonista Edgar Wilson, cujo trabalho é dispor dos corpos de animais mortos, mas se encontra em uma encruzilhada ao descobrir em um dia em serviço corpos de humanos ao invés disso.
É daqueles livros difíceis de falar, é só ler e sentir mesmo. Recomendadíssimo.
Solicitei Enterre seus mortos para a Companhia das Letras através do Net Galley. A capa me seduziu e me arrependo de ler a sinopse, ela diz MUITO sobre a história - na real, ela é um resumo da novela inteirinha. Leia por sua conta em risco.
Começaremos do princípio que o nosso protagonista é Edgar Wilson, um homem pacato que vive em uma cidade onde nada acontece. Ele trabalha para o órgão responsável por recolher animais mortos na estrada e levá-los para serem triturados. Acompanhamos o seu cotidiano com desconfiança. O ambiente inóspito não é atraente, a solidão extrema dos personagens é um tanto sufocante e a naturalidade que os personagens lidam com a morte dos animais é aterrorizante; Edgar é uma exceção a esse último. Além de Edgar e seus colegas de trabalhos, a história tem a presença de Tomás, um ex padre excomungado pela Igreja Católica que tem um passado nebuloso, busca por redenção e é um amigo para o protagonista.
O cotidiano sofre uma ruptura quando Edgar encontra o corpo de uma mulher enforcada na floresta. Sua posição lhe impede de levá-la para o depósito - eles só podem levar animais mortos - e o rabecão da cidade mais próxima está quebrado. Deixá-la ali seria como deixar um prato de comida para os abutres. Edgar toma uma decisão extrema colocando seu emprego em risco. Sem conseguir solucionar a situação da mulher sem nome, é encontrado o corpo de um homem e Edgar precisa tomar uma decisão: manter esses corpos clandestinamente protegidos dos animais ou levá-los por conta própria para um necrotério para garantir que eles terão um descanso.
Ir além disso seria um risco. É uma novela curtinha, mas de difícil leitura. A escrita de Ana Paula Maia não tem culpa nisso. Ela tem uma escrita fluída, sem maneirismos e direto ao ponto, sucinto, MAS a história é densa, em alguns momentos arrastada, sem delicadeza alguma, sem pormenores. Coloca o homem no papel do homem: apático e brutal. Edgar é uma exceção, Tomás é um homem perturbador. E quem é você quando termina essa leitura?
Não é uma história que você terminará com um gostinho de satisfação. Te faz pensar nas escolhas que nós fazemos, as pequenas escolhas, sabe? Te faz questionar se essas escolhas fazem alguma diferença no todo, para você.
Meu único problema foi a imersão. Eu demorei metade da novela para me conectar com a trama e os personagens. Fiquei com uma expectativa que teria elementos do terror/horror/sobrenatural, mas no final, não rola nada disso. A capa me passou essa impressão e um tiquinho da sinopse. Essa expectativa acabou me deixando com uma sensação de que algo mais rolaria, então eu ia lendo e sentindo que SERIA AGORA a grande virada. E não acontecia bulhufas. Isso me decepcionou um pouquinho.
É uma novela rápida, interessante e diferente do que eu estou habituada a ler. Recomendo para quem gosta de uma leitura soturna sobre a natureza humana.
Avaliação: 4 / 5
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535930672
Gênero: Mistério
Publicação: 2018
Páginas: 136
Skoob: https://www.skoob.com.br/enterre-seus-mortos-757632ed761156.html
No novo romance de Ana Paula Maia, Edgar Wilson (personagem recorrente em outros livros da autora) trabalha numa pequena e pacata cidade como removedor de animais mortos das estradas. A história é regada com um clima sombrio e com reflexões tanto filosóficas quanto religiosas.
Esse livro foi o primeiro contato que tive com algo da autora e posso dizer que ela representa muito bem o gênero em nosso país. Pesquisando um pouco mais sobre seu estilo, fica claro que dar enfoque em situações do cotidiano e em pessoas que na nossa sociedade passariam despercebidas é algo que Maia gosta de fazer e o faz muito bem.
A história é dividida em duas partes: Os Animais e os Os Mortos. A primeira parte inteira o leitor da rotina, da personalidade e, principalmente do trabalho do protagonista como removedor de animais mortos. A linguagem utilizada é bem figurativa e as descrições são bastante viscerais. Edgar Wilson é um homem incrivelmente neutro, observador e introspectivo. Suas reflexões sobre a vida e suas opiniões sobre o mundo são extremamente profundas, contudo, elas são reservadas apenas a si mesmo e à sua mente. Edgar é um homem de poucas palavras que cumpre seu trabalho sem muitos rodeios. Nessa parte, são apresentados vários pequenos conflitos no dia-a-dia que servem de pequenas contemplações sobre a sociedade e a própria humanidade do homem. A pequena cidade onde Edgar habita se torna gradativamente caótica: hospitais lotados, transportes de emergência quebrados e a ineficiência da segurança policial constroem um cenário para duras, porém verdadeiras críticas ao nosso próprio sistema social.
"—Ei, amigo, e aquele lá?
—Não é a minha função. Eu só carrego animais."
A segunda parte, Os Mortos, inicia-se logo após Edgar Wilson juntamente com Tomás, um padre excomungado que trabalha na mesma empresa do protagonista, encontrarem um corpo na floresta jogado aos abutres. Edgar se vê obrigado a levar o corpo da mulher sem identificação para o freezer abandonado da empresa depois de contactar a polícia que alega não ter recursos para recolher o cadáver naquele momento. A partir daí a situação vai se tornando cada vez mais complicada: as autoridades dizem que não podem fazer nada quanto ao cadáver e que a melhor opção é deixá-lo na empresa de Edgar até que aquela situação seja resolvida; nesse meio tempo, Edgar e Tomás acham mais um corpo —desta vez de um homem— que acaba tendo o mesmo destino do corpo da mulher.
Enterre os seus mortos é uma leitura reflexiva do início ao fim. Desde o emprego incomum do protagonista, as aparições relacionadas à religiosidade, o caos iminente de uma cidade até então tranquila, até a vontade incessante de Edgar de dar um fim digno aos mortos encontrados, ficamos em confronto com assuntos e questões do dia a dia que muitas vezes não damos espaço para serem discutidas mas que são fundamentais na formação de caráter e perfil social, além da emersão de assuntos que nos permite conectarmos com nós mesmos e com nossas crenças.
A obra de Ana Paula Maia foi uma surpresa muito bem-vinda. Em pouco mais de 130 páginas, ela conseguiu criar um enredo muito conciso e envolvente abordando com maestria todos esses temas apresentados anteriormente. E é claro que o suspense foi apenas um adendo mais nessa leitura agradavelmente inquietante. Sem dúvidas uma história singular que não pode deixar de ser lida pelo menos uma vez na vida.
"Só uma coisa realmente o apavora: morrer sozinho e ser deixado para trás. O medo da própria destruição é inato a todo animal. O medo de Edgar vai além: é esse medo de ser devorado por abutres, comido ao ar livre por vermes necrófagos, de ter sua carne exposta ao vexame."
"Enterre Seus Mortos", de Ana Paula Maia, é um desses livros que te impactam do início ao fim. Seja por conta do tema, seja pela narrativa desenvolvida pela autora, "Enterre Seus Mortos" é uma leitura intensa e densa que quase não te dá tempo para respirar. Com pouco mais de 100 páginas, a trama se desenvolve ao redor de Edgar Wilson, um homem simples que trabalha em um órgão responsável por recolher animais mortos em estradas no interior do Brasil, e Tomás, um ex-padre e agora colega de profissão de Wilson. Duas figuras tão diferentes quanto possível, Edgar e Tomás verão suas vidas pacatas e rotineiras mudarem de tensão quando descobrem o corpo de uma mulher enforcada na estrada. Ao tentar fazer com que a polícia venha recolher o corpo, Edgar Wilson descobre que não há recursos para recolhê-lo, e é quando o protagonista decide fazer algo por conta própria.
Ana Paula Maia não mede palavras para descrever a aridez de seus cenários, a vida dura de seus personagens e crueza de toda a situação envolvendo a morte - as dos animais ou as dos seres humanos. "Enterre Seus Mortos" reúne filosofia e faroeste, e até um pouquinho de terror, enquanto conta as mazelas de um Brasil esquecido em si mesmo. Leitura imprescindível.