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O livro conta a história de Nadejda Mandelstan (e Nadejda significa esperança, daí o ditado popular), uma mulher que enfrentou uma vida extremamente difícil durante o regime totalitário da Rússia de Stálin. Em meio à pobreza criada pelo regime (onde uma blusa de renda era sinal de burguesia, segundo a personagem) e o frio duro do país, ela precisou ainda enfrentar a perseguição política, já que era casada com Óssip Mandelstan, um poeta que falava contra o regime e que fora capturado e morto pelo governo russo de então.
Após a morte do marido, a vida de Nadejda não se torna mais fácil e ela passa a dedicar o resto de sua vida à memória e ao trabalho do marido. Os poemas de Óssip foram proibidos e quem tivesse cópias impressas deles poderia ser condenado. Então, Nadejda passa a sussurrar, todos os dias, por volta de 300 poemas, para que eles não fossem esquecidos.
Esse romance é um misto de ficção e realidade, como a própria autora conta em um vídeo produzido para o canal da Companhia das Letras. Isso porque não são todos os detalhes da vida de Nadejda que estão disponíveis ou que sobreviveram a ela, mas as lacunas parecem ter sido preenchidas com bastante coerência e, claro, muita qualidade, pela autora.
O que mais me chamou a atenção nessa vida dura e um tanto quanto solitária de Nadejda é o quanto o machismo e o abuso conseguem tornar a vida de uma mulher ainda mais difícil em qualquer ambiente. Além de todos os problemas próprios do regime e da perseguição que estavam sofrendo, a nossa protagonista teve que conviver com descaso do marido, traições e uma série de outras coisas que são de cortar o coração e ferver o sangue! E depois de tudo isso, ela ainda dedicou sua vida a ele, tornando-se uma coadjuvante, até Noemi Jaffe trazer sua história para nós. E não apenas Nadejda, mas diversas mulheres que conhecemos através da protagonista e que exerciam o mesmo papel, sussurrando os trabalhos de seus maridos e vivendo por eles. Embora elas tenham sido de grande importância para que esses trabalhos não se perdessem, isso nos faz questionar os papeis de gênero e o quanto eles interferem em todos os aspectos da sociedade.
Além disso, ver o impacto de um regime totalitário na vida cotidiana é assustador! Observar que o sonho de riqueza de uma pessoa vivendo em um regime como esse pode ser um vaso sanitário para fazer suas necessidades fisiológicas é, no mínimo, triste. Pior ainda é perceber paralelos entre essa realidade e a nossa, mudanças algumas sutis, outras nem tanto, que nos deixam alertas para os acontecimentos a nossa volta. Porém, sobre esse assunto, eu quero indicar o artigo de Maurício Meireles para a Folha sobre esse livro, que está fantástico!
O Que Ela Sussurra é um livro denso e sofrido, mas que encerra em si reflexões preciosas. Além de retomar a vida de uma mulher que passou quase anônima pela História, ainda fornece muito material para pensar sobre nossa própria realidade.
A primeira vez que li algo da Noemi foi em 2012 com o livro “Quando nada está acontecendo” naquele momento ela já me ganhou, por isso essa resenha vem com uma admiração enorme e muitos elogios.
A escrita é completamente encantadora e tocante, sentimos de fato aquilo que a autora quem passar, é por esses livros que me apaixonei pela leitura.
Temos a história de Nadejda Mandelstam, o significado do próprio nome tem a essência da sua natureza, esperança. Teve uma vida mudada completamente por uma Rússia em pedaços, estamos falando de quando Stalin toma o poder da então União Soviética. Noemi conta de forma poética o que uma mulher fez para dar voz e preservar a memória do marido Óssip.
A verídica narrativa de uma viúva que quer vingança, após a morte do marido, guardou os poemas que ele escrevia como forma de deixar vivo a memória do escritor e resistir contra a qualquer tipo de censura. E foi a partir dessa decisão que viu sua vida mudar e ser duramente perseguida pelo regime comunista. A força que essa mulher representa, a luta que ela travou tanto com os outros e consigo mesma é impressionante.
O livro é narrado pelos olhos Nadejda, onde conta não apenas sobre a perseguição que ambos sofreram, pelo o que acreditavam, mas a pobreza que passaram, o medo, as mudanças de cidades e na minha opinião o que dá a total diferença na história é como ela vai se descobrindo como mulher, se tornando uma de fato, lidando com as inseguranças, com os ciúmes, com a infidelidade.
É um livro de certa forma pesado, em diversos momento não queria parar de ler, mas me sentia obrigada a parar, respirar e a refletir o que estava lendo e quase vivenciando.
“Como se tivessem fincado um prego na máquina e ela nunca mais pudesse funcionar direito; ela engripa justamente nesse lugar e o resto fica riscado. Um soluço na memória, um corte nas amizades que fiz e fizemos desde então.”
Indico esse livro para qualquer pessoa pois ele é surpreendente, a escrita, o enredo, o desenrolar, a capa. Simplesmente maravilhoso.
Quem nunca sussurrou para não esquecer a senha do cartão de crédito? Ou recebeu uma ligação desconhecida no celular e ficou a repetir o número baixinho até procura-lo na internet? Nadejda sussurrava, palavra por palavra, os poemas do marido Óssip Mandelstam, morto em um campo de trabalho do regime stalinista, para que tais poemas não se perdessem até que fosse possível publicá-los.
Já idosa, Nadejda procura manter a criação de seu falecido marido viva enquanto conversa com ele, em pensamento e aos sussurros, rememorando seu propósito, sua vivência a e os sofrimentos pelos quais passou – sozinha e acompanhada – durante a ditadura na União Soviética. E é assim, com delicadeza e força, que Noemi Jaffe retrata a trajetória de uma personagem intrigante por sua determinação, lealdade e coragem ao enfrentar o totalitarismo, ainda que de maneira quase silenciosa.
Ao levar para a ficção a história da educadora russa Nadehzda Mandelstam, que memorizou os poemas de Óssip até que pudessem ser publicados – não dava para confiar nos papéis quando uma vírgula poderia ser uma afronta –, a autora nos presenteou com um verdadeiro tributo à poesia e à arte como um ato de resistência. Narrado grande parte em primeira pessoa, sentimos de forma intimista o que pode ter sido a vida da personagem com o poeta, a angústia pela iminência da prisão, o exílio, a desconfiança constante dos vizinhos por medo de denúncias que os levassem à tortura.
Também vemos o lado pessoal de Nadejda, como se privou de sua individualidade em função do marido, calando-se frente aos caprichos do homem com quem se casou e protegeu o legado até o fim. Embora não concordemos com muitas de suas ideias, é impossível não nos solidarizarmos pela sua persistência e união a todas as mulheres russas que sussurraram suas histórias para que não ficassem perdidas no tempo.
Recomendo a todos a leitura desse livro lindo, comovente e que é uma lição de força, união e solidariedade em tempos sombrios.