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Já faz um tempo que meu interesse por assuntos envolvendo questões de gênero aumentou. Inclusive, o tema do meu trabalho de conclusão de curso foi violência contra a mulher e, durante meu período de pesquisa, aprendi inúmeras coisas. Então sempre quero ler qualquer coisa que vejo relacionada ao feminismo. E foi assim que conheci De Quem é Esta História?
O subtítulo do livro já diz tudo: "feminismos para os tempos atuais". Aqui, Rebecca Solnit reuniu 20 ensaios publicados por ela em outras mídias que tratam do feminismo sob diferentes temáticas: política, cidadania, assédio sexual e até mesmo a crise climática. Os ensaios são bem pautados na sociedade estadunidense, mas, no final das contas, a realidade lá é bem parecida com a nossa, até porque o machismo e o patriarcalismo não escolhem um só povo, uma só nação.
Algo que permeia praticamente todos os textos de Solnit é a relação entre representatividade e poder. Inclusive ela faz uma reflexão bastante interessante sobre o fato de nossas cidades serem permeadas de nomes masculinos. Por exemplo, moro numa rua chamada Antônio Paulino Neto; todas as escolas que estudei também homenageavam homens: Escola Estadual Coronel Coelho, Instituto Educacional Manuel Luiz Pego, Colégio Tiradentes... Os homens sempre são lembrados pelos seus "grandes feitos" enquanto as mulheres continuam sendo apagadas da nossa história.
Inclusive, esse assunto leva a outro ponto: quando lembradas, as mulheres nunca estão em posição de poder, ou seja, são sempre vistas apenas como mães, esposas, donas de casa... Não que isso seja errado, claro que não, até porque a maioria das mulheres vive essa vida dupla, aliada ao trabalho, mas temos que reconhecer que é um estereótipo imposto a nós. Nós nunca somos lembradas por feitos científicos, pela luta feminista ou por qualquer relação de poder. Percebem?
Rebecca Solnit se expressa muito bem e traz muita sinceridades aos seus textos, que conversam entre si. Apesar de discorrer sobre várias coisas, é certo que o tema central gira em torno da desigualdade entre homens brancos hétero-cis das outras camadas da população, que incluem homens não brancos, mulheres, mulheres não brancas, comunidade LGBT no geral, e como eles detém o poder, e, portanto, são perfeitos. Querem um exemplo muito, mas muito claro? Vocês se lembram do quanto a presidenta Dilma era criticada por sua falta de oratória durante seus discursos, mas o mesmo não acontece com o homem que está no poder agora, ainda que ele viva falando abobrinhas, absurdos e dez milhões de coisas desconexas por aí?
Aí chegamos em alguns pontos para se pensar: será que o título do livro é De Quem é Esta História? pelo fato de, majoritariamente, as histórias serem escritas e narradas por homens? Ora, se não podemos contar nossas próprias histórias, se nossas histórias não são nossas, como seremos lembradas? 😔😕
Não há como negar que a luta feminista proporcionou inúmeras vitórias nas últimas décadas, mas os desafios ainda são grandes. Dados estatísticos ainda evidenciam a desigualdade salarial entre homens e mulheres, o quanto a mulher assume mais atividades domésticas do que os homens, mesmo trabalhando de forma igual. Além dos dados preocupantes e alarmantes relacionados ao aumento da violência doméstica durante a pandemia.
Em “De quem é esta história”, a autora reflete sobre os padrões impostos pela sociedade machista e provoca profundas reflexões. Leitura necessária para homens e mulheres. Por fim, destaco que fiquei bastante curiosa para conhecer o outro título da autora “Os homens explicam tudo para mim”.
Varlene Santos
Leituras S.A. (@leituras_sa)
Os textos de Rebecca são sempre divertidos, atuais e focados em tópicos importantes para o movimento feminista atual. Como em A mãe de todas as perguntas, é um livro de não ficção que recomendo.
De Quem É Esta História? me chamou a atenção já pela sinopse, por se tratar de um livro de ensaios focados em feminismo e distribuição de poder. O centro das discussões apresentadas por Rebecca Solnit gira em torno da pergunta-título, fazendo o leitor refletir e questionar quais são as perspectivas que chegam até nós, quais vozes são ouvidas e quais são silenciadas e quais visões de mundo estamos reforçando. Ainda na introdução, a autora evidencia algo que parece óbvio, mas não é: “Hoje é fácil presumir que nossas opiniões sobre raça, gênero, orientação sexual e tudo o mais são sinais de uma virtude inerente, mas muitas ideias que circulam agora são presentes que chegaram há pouco […]”. As conquistas relacionadas à diversidade são muito recentes, mas ainda estamos longe de um ideal de igualdade social, racial e sexual – por isso obras que falem sobre isso precisam ser difundidas.
Ao longo das páginas, Rebecca Solnit discorre sobre diversos desequilíbrios de poder, focando principalmente na distribuição desigual entre homens brancos cis e heterossexuais, o topo da pirâmide, e todo o resto (mulheres, mulheres negras, homens negros, a comunidade LGBTQI+, etc). Os ensaios são bem focados na sociedade estadunidense, então as dinâmicas sociopolíticas que a autora trata são baseadas no funcionamento eleitoral de lá. Esse aspecto torna alguns capítulos um pouco mais cansativos mas, ainda assim, é possível estabelecer paralelos entre o que acontece nos Estados Unidos e o que acontece aqui (e, quando lembramos de que ambos os países estão sendo liderados por boçais, fica ainda mais fácil fazer conexões).
Querem um exemplo prático? O terceiro capítulo fala sobre como o poder e o preconceito (consciente e inconsciente) determinam a política de um país. A autora aponta inconsistências no discurso principalmente de homens brancos, que analisam qualidades/características de forma diferente quando são encontradas em homens e mulheres. O fato de Obama ter sido um líder detalhista no que diz respeito a aspectos políticos é visto como um defeito em Hillary, no exemplo da autora. O foco de Rebecca Solnit nesse ensaio é trazer à luz o fato de que a não-equidade política e os “double standards” tornam ainda mais difícil pra minorias (especialmente mulheres não-brancas) atingirem o mesmo patamar dos homens brancos, pois a trajetória dessas pessoas traz muito mais obstáculos. Transpondo essa reflexão pro cenário brasileiro, é fácil lembrar como Dilma era criticada pela sua falta de eloquência, enquanto Bolsonaro bosteja pela boca o tempo inteiro e boa parte da população parece não ver problema nisso.
Eu diria que o principal ponto do livro, que está presente em todos os ensaios de forma geral, é justamente colocar sob os holofotes o fato de que quem tem direito à fala é quem dita as regras. Quem conta as histórias é também quem decide como determinado grupo será lido, quais direitos serão priorizados, quais caminhos o país e a sociedade trilharão. Rebecca escreve: “[…] nos noticiários e na vida política ainda estamos lutando para saber de quem é a história, quem tem importância e para quem nossa compaixão e nosso interesse devem se direcionar.” A decisão de usar a própria voz para denunciar quem sempre gozou de privilégios é uma decisão que visa afirmar a própria identidade, mostrar ao mundo que se é “alguém” – e não qualquer alguém, alguém que merece ser ouvido. Tomar posse da narrativa, segundo a autora, é uma luta importante e capaz de grandes transformações: o movimento #MeToo é um exemplo utilizado, sendo uma oposição das mulheres aos abusos cometidos por tantos anos no ambiente de Hollywood (mas não somente nele, já que a # ganhou alcance global).
É difícil falar especificamente sobre cada ensaio de De Quem É Esta História?, mas posso dizer que todos eles têm ligação e conversam com muitos dos dilemas que enfrentamos hoje. O livro não é denso e a narrativa é acessível, o que torna a leitura fluida e de fácil compreensão. Apesar de focar muito nos Estados Unidos e não trazer com tanta força a perspectiva negra – ainda que cite lutas raciais ao longo das páginas –, é uma boa opção para quem quer pensar sobre dinâmicas de poder, narrativa e feminismo. Recomendo! :)
As perspectivas da autora sobre alguns assuntos como a administração Trump e o movimento Me Too são interessantíssimas e trouxeram novos pontos de vista (talvez até mais otimistas do que esperava) acerca de tais temas.
Outro ponto positivo é que em nenhum momento ela deixa o livro ficar pesado demais ou não-didático, acho que ela faz um ótimo trabalho de democratização da informação e de seus pensamentos.
Talvez o único ponto negativo seja que esse é um livro muito centrado nos EUA, o que é completamente compreensível, por se tratar de uma autora norte-americana, falando sobre o seu país, mas acho que poderia se beneficiar de uma perspectiva um pouco mais internacional sobre certos assuntos.
A autora discute problemas sociais, envolvendo vários aspectos, mas, em especial, o gênero, de forma bastante clara e utilizando exemplos vivos, de pessoas reais, anônimas ou famosas. Tudo isso gera, no leitor e na leitora, uma maior proximidade com o assunto. Diria que especialmente na leitora. Afinal, com tantos exemplos de como o machismo está impregnado em cada espaço das nossas vidas, fica impossível não se identificar com pelo menos alguma das falas.
Os capítulos curtos de seu livro são artigos de opinião que a jornalista e ativista escreveu para a mídia estadunidense e que conversam entre si de uma maneira muito interessante. Rebecca Solnit não se preocupa, aqui, em se debruçar sobre teorias, mas mostrar o que está acontecendo e discutir o que pode ou não ser feito, dialogando com diversos públicos e conseguindo, ao mesmo tempo, acolher e informar.
A autora vai questionar os protagonistas da História mundial. Afinal, por que tão poucas mulheres são estudadas na escola, enquanto temos que andar por tantas avenidas com nomes de homens famosos? Sabemos que sempre existiram mulheres fantásticas fazendo coisas incríveis, mas a dificuldade em chegar até elas é imensamente maior. E essa invisibilidade permanece nos dias atuais, com as obrigações impostas às mulheres através dos papeis de gênero que, quem foi mesmo que criou?
Alguns detalhes do livro, porém, chamaram minha atenção, pelo potencial de produzir certo estranhamento: o primeiro deles é que, nos últimos capítulos, os assuntos diretamente ligados ao feminismo foram, pouco a pouco, cedendo espaço à crise climática. Embora seja outro tópico de extrema relevância, foi inesperado encontrá-lo como protagonista em capítulos de um livro que leva o feminismo no subtítulo.
O segundo detalhe se refere aos exemplos usados pela autora. Fiquei um pouco incomodada com o fato de todos eles terem acontecido nos Estados Unidos. Claro que faz todo o sentido, já que se tratava de artigos previamente publicados na mídia local, mas eu não tinha conhecimento disso quando comecei a leitura, então esse fato me causou estranhamento. Ao mesmo tempo, foi interessante identificar algumas diferenças culturais e perceber como, ainda assim, o machismo e a misoginia acabam se manifestando de forma semelhante em culturas diferentes se tiverem a chance.
De Quem é esta História? é um ótimo livro para quem gosta de não-ficção e atualidades, e que, talvez, não queira, nesse momento, pegar um livro mais denso sobre teoria feminista para ler. Só não garanto que você não vá querer partir para os livros teóricos em seguida…