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Como falar da ausência?
“A autobiografia da minha mãe”, nesse sentido, foi a melhor leitura que já fiz.
Xuela Claudette perdeu sua mãe logo que nasceu. Embora essa morte prematura da mãe seja um clichê em muitas histórias, nesta obra, a autora Jamaica Kincaid faz desse fato a pedra fundamental de sua narrativa, construindo uma protagonista marcada pela ausência.
“Minha mãe morreu no momento em que eu nasci, e por isso durante toda a minha vida nunca existiu nada entre mim e a eternidade.”
O livro é permeado de passagens profundas, que despertam da beleza à tristeza, pelo olhar de uma mulher caribenha que teve muitas coisas negadas e negou muitas outras, por desprezo, por luto e por renúncia.
Eu não esperava gostar tanto do livro, mas seu desfecho foi como uma tocha acesa na escuridão. Depois da claridade, é difícil ter a mesma visão de quando se está nas trevas.
Não o favoritei, porém. Na ausência de sua mãe, ela é retratada em contraposição a tudo que existiu à sua volta: sobretudo homens. Em meio a essas descrições, há as de cunho sexual, que, confesso, foram, especialmente neste livro, difíceis de ler, por mais que, de todos seus atos, seu útero se recusasse a gerar uma nova vida.
Das contraposições trazidas no livro, porém, nada me marcou tanto quanto a passagem que Xuela descreve sobre quem são os pais de seu pai:
“o pai dele era um homem escocês, a mãe era do povo africano, e essa distinção entre “homem” e “povo” era uma distinção importante, pois um tinha saído do navio como parte de uma horda, já demonizado, a mente vazia de qualquer coisa que não fosse o sofrimento humano, um rosto igual ao rosto ao seu lado; o outro tinha saído do navio por vontade própria, almejando cumprir um destino[…]”.
É um livro que pode ser um pouco maçante, mas que vale muito a pena a leitura. Recomendo.