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“São sempre impressionantes as coisas que as pessoas escolhem para se escandalizar.”
“É curioso que a um rei se possa destronar, guilhotinar ou até executar ante a salva dos fuzis, mas que seu nome ninguém retire. Mesmo que deixe de ser rei, seu nome composto de vários outros nomes, e uma teia labiríntica de ascendentes, será sempre uma marca do privilégio que recebeu em berço. Isso, claro, se for um rei branco. O menino Juri, por exemplo, que sucederia seu pai em algum momento de sua vida na floresta, tem seu nome negado. O certo é que para seus captores só interessa saber que é Johann, do povo juri, e ela, Isabella, do povo miranha. Ou tão somente Miranha e Juri, dois rostos sem corpo, dois nomes sem história.”
Não é um livro fácil de ler. São várias vozes, a narrativa não é linear e infelizmente o arquivo do ebook disponibilizado via NetGalley dificultou ainda mais a experiência. A má diagramação realmente demandou uma dificuldade a mais. Creio que essa seja uma situação a se avaliar, pois não é só o conteúdo que conta, mas a experiência do(a) leitor(a). Só não desisti de ler, porque realmente me interessava muito pelo livro e principalmente: contei com a ajuda de amigas leitoras para algumas partes, mas se o intuito da plataforma é que tenhamos condições de avaliar o conteúdo de um livro, disponibilizar um arquivo com uma diagramação que não acrescente dificuldade ou desencoraje o(a) leitor(a) é algo a ser avaliado. Nesse, até mesmo para fazer as marcações foi difícil, pois não passava para uma outra página do kindle e não havia índice, de modo que só descobri que havia notas após terminar o livro. As notas teriam ajudado bastante.
Eu achei esse livro muito bom, muito bem escrito, muito necessário, mas não achei gostoso de ler. É uma narrativa que demanda atenção, pesquisa e quanto mais você adentra nas referências e significações, mais dolorosa a história fica, porque Micheliny Verunschk te conduz por uma história que parece ser muito antiga, mas certamente não ficou no passado, segue ecoando hoje e acontecendo de novo com outros argumentos.
A narrativa é fragmentada e não linear, tal como se autora estivesse vendo pelas frestas o que está nos contando. São vários pontos de vistas narrativos e todos dão grandeza a história, mas o que mais gosto é quando Iñe-e fala. Embora ficcionalizado, há uma beleza e potência muito grande em dar uma voz a quem nunca foi ouvido, a uma criança que foi despojada de tudo, até mesmo de seu nome.
A autora é muito corajosa e não teve medo de incluir em seu livro notícias, relatos e falas de acontecimentos passados e contemporâneos para nos tirar da zona de conforto e nos colocar de frente para o apagamento e dizimação que sofreram e sofrem os povos originários do Brasil desde que os europeus chegaram por aqui. As marcas da colonização nos perseguem até os dias de hoje.
A personagem Josefa, que nos conta de como sua origem indígena sofreu um apagamento dentro da própria família se encarrega de metaforizar a própria história do Brasil.
Comecei a ler o livro, cheguei em 40%, senti que estava perdendo muita coisa, então voltei para o começo e reiniciei a leitura. Se você está com dificuldade para engrenar na narrativa, meu conselho é que não desista. Pesquise um pouco, busque conteúdos sobre o livro e siga. Vale muito a pena. É uma história que continua crescendo mesmo depois que terminamos. O som do rugido da onça seguirá nos meus ouvidos por um bom um tempo ainda.
se tu estás conseguindo decifrar essas letras ordenadas e tirar algum sentido delas é porque fostes inserido nesse mundo linguístico social da língua portuguesa. língua essa que flui em espaços e territórios ultramares, constituindo um universo de experiências e significados, o mundo luso. forjado na violência, no sangue, na dor e no aparato colonial, que não fica restrito ao convencionalmente datado de 1500 a 1822.
o brasil colonial é o aqui e agora. nada separa as dores persistentes dos indígenas de hoje das invasões e saques portugueses de séculos atrás. o rugido da onça nos lembra disso, como também nos cobra. micheliny, iñe-e, josefa e a onça grande mexe, troça e subverte a língua conquistadora, misturando e transformando em memória e palavras que foram apagadas da “história com h maiúsculo”.
a narrativa, que entrelaça o fato histórico do rapto de duas crianças indígenas amazônicas devido às expedições científicas europeias que acontece no território entre 1817 a 1820, com o contemporâneo e seus respectivos problemas, como também também com a voz silenciada dessas criança - o medo, o desterro, a solidão e a morte tão prematura - é uma viagem profunda ao Brasil e suas chagas.
neste romance-ficção-histórico-lírico, que eu não sei nem como definir pois é uma narrativa que não se deve caber em categorias para não ter sua potência diminuída, micheliny aborda temas caros como a memória, a colonialidade, a identidade e a reparação histórica. é uma experiência singular, que me tocou profundamente e que são estórias como essa que me faz crer no poder da arte e das palavras como instrumento de afetação e transformação.
é a grande onça dando o bote.
Eu gosto demais de livros que permitem que você sinta que houve um curtir de palavras. Que houve uma conjunção de poesia ali na prosa que amplia a obra pra outros lugares que não a simples escolha casual.
E esse livro tem isso.
Esse livro tem libertação, tem resgate, tem encanto, tem a memória e a reescrita como uma história que é tomada para si, e não do ponto de vista dos vencedores. Como geralmente o é.
Tem tanta poesia que acho que muita gente não vai conseguir ler o livro e sentir o que deve ser sentido, o que é uma pena. Porque a força do rugido desse livro é como um rio que corre e sabe de tudo. Mas que não espera que você pare para entender.
É uma obra ficcional, mas com elementos históricos. Essas crianças existiram, foram coisificadas e sofreram diversas violências e aculturação. Seus nomes foram alterados quando chegaram à Europa, Isabella Miranha e Johannes Juri. Essas crianças morreram (não é spoiler) meses depois, por não terem imunidade para suportar o clima europeu. Seus costumes foram ignorados e apagados.
É um livro que nos faz pensar sobre nossa ancestralidade e sobre o olhar que os europeus têm sobre nós, além de mostrar como essa visão eurocêntrica afeta nossos olhares para com os povos originários. Eu recomendo demais essa obra e merece todos os prêmios possíveis. Agradeço demais o olhar delicado de Micheliny Verunschk, que trouxe à tona as nossas histórias que muitas vezes são apagadas e não valorizadas
“Quer morrer, índio? Quer morrer?”
É essa pergunta repetidamente usada por Micheliny Verunschk para nos fazer refletir sobre a questão indígena no Brasil.
Em O Som do Rugido da Onça, acompanhamos a trajetória de Iñe-e, criança da tribo miranha que é arrancada de sua tribo e levada para Munique. Dois cientistas europeus compram sete crianças prisioneiras de tribos inimigas; já Iñe-e é ofertada pelo próprio pai , chefe da tribo.
Somente duas crianças sobrevivem a viagem. Tudo é perdido, a cultura, a língua, e até o próprio nome. O garoto dócil é o primeiro a sucumbir às doenças invernais (as mortes não são spoilers aqui); Iñe-e se torna Isabella e, sempre com sua narrativa poética, mostra sua resistência através de sua conexão com os rios, a natureza, o passado e o futuro.
Passado e presente se mesclam e envolvem a jovem Josefa, que tenta no nosso presente descobrir e ressignificar sua própria origem ao estudar o que aconteceu com essas crianças.
A narrativa não linear, a junção da criança e da onça, da fala e do rugido; e, principalmente, do que fizemos e ainda fazemos, torna essa obra indispensável para quem quer conhecer um pouco mais sobre a questão indígena no Brasil.
Passei dias e dias sem conseguir elaborar uma resenha digna dos temas abordados neste livro, mas sei o quanto é necessário falar sobre eles, então resolvi finalmente trazer minha experiência com essa leitura, ou tentar pelo menos.
Essa foi uma leitura muito impactante que desde o início me fisgou completamente. Conhecer mais sobre os povos indígenas, seus costumes, crenças e modo de vida, foi maravilhoso.
Essa foi a primeira vez que li sobre o tráfico de pessoas sob essa perspectiva, e me revoltou muito ver, principalmente crianças, sendo tratadas como animais, abusadas... Foi de embrulhar o estômago.
Mas mesmo assim não consegui tirar os olhos dessa história nem por um minuto; a escrita da autora é visceral e poética na mesma medida.
Em um pouco mais da metade do livro acontece uma reviravolta muito triste, as mortes dessas crianças (podem ficar tranquilos pois isso não é spoiler, está na sinopse) e nesse momento pensei: "ué, como assim isso acontece e ainda tem tanto de história pela frente?", e exatamente aí fui surpreendida por um realismo mágico, que foi belissimamente inserido na história desde o início, mas que toma um significado muito maior no desfecho, me emocionei bastante nessa parte.
Enfim, recomendo demais essa história que me trouxe tantos sentimentos e reflexões extremamente profundas e necessárias. Também adorei conhecer a escrita da autora, e estou com muita vontade de ler mais obras dela.
Recomendo muito (mas procurem saber mais a fundo sobre os vários gatilhos antes de começar a leitura).
“Por certo que fui Iñe-e caída do buritizeiro, roubada, desnomeada, depois Miranha, Isabella, Uaara-Iñe-e. Agora quero mais não, nem roupa nem nome.”
Há um certo cansaço decorrente de privações. Ser privado de quem se é, do nome que tem, da terra onde vive, das crenças que carrega, da língua que fala, do amor que sente. Ver-se bruscamente arrancado da zona de conforto e entregue ao desconhecido, ao lugar ao qual não pertence. Um emaranhado de acontecimentos que resultam em um sentimento que vai além da tristeza, um sentimento que cansa, que leva à entrega dos pontos, à resignação. Esse cansaço pode levar à morte, emocional e física.
Quando Iñe-e, menina indígena do povo Miranha, é levada à Alemanha com outras crianças por Spix e Martius como materiais de estudos, suas raízes são arrancadas. Apenas ela e um garoto do povo Juri sobrevivem à travessia, seus nomes não são aceitos e sua fala, que tanto significado tinha no idioma nativo, perde a importância. Sua ancestralidade é silenciada, mas seu espírito, apesar de cansado, ainda tenta encontrar sua essência, comunicar-se com as águas, com a onça que carrega em si, contar a sua versão da história.
Esta obra de Micheliny Verunschk poderia ser descrita como um romance histórico, por citar os cientistas Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Martius enquanto exploradores em terras brasileiras no século XIX, mas atinge um patamar mais elevado e profundo. Ao narrar boa parte da trama pelos olhos da criança indígena raptada para fins científicos, mostra os danos pessoais resultantes da colonização, a animalização dos povos indígenas e o quão doloroso é abrir mão da própria palavra para se comunicar, como se esta não fosse válida.
A melancolia sentida pela protagonista é palpável, mas há algo de fantástico na obra que faz suavizar. O teor folclórico e a conexão com os antepassados são quase como uma chama de esperança para Iñe-e e para os leitores, o que torna o livro, além de doloroso, também muito lindo.
O Som do Rugido da Onça é um livro a ser sentido, um esturro a ser ouvido, e é por isso que o indico a todos.
Livro de uma prosa poética linda, Micheliny Verunschk conta de forma leve um acontecimento brutal: no século XIX, dois exploradores estiveram no Brasil e, na volta, levaram plantas, animais, e oito crianças indígenas, das quais a grande maioria morreu dentro do navio que ia para a Alemanha. Que solidão deve ter sentido Iñe-e, a menina de apenas 12 anos que foi arrancada da convivência com sua mãe e seus outros compatriotas, sua cultura, apenas para o deleite de dois cidadãos que consideravam aqueles seres humanos apenas uma mercadoria. Como colocou a autora, "para a ciência toda consciência deve ser relativa".
O livro é atemporal, e isso fica bem evidente no final. Tudo o que já se passou com os indígenas, passamos até hoje, considerando que podemos tirá-los de suas terras em função da necessidade de desenvolvimento, de construir uma barragem, de aproveitar um terreno para o setor agropecuário. Quanto respeito dispensamos para esses povos originários? É muito triste quando a gente percebe que pouca coisa mudou.
Lemos o livro em conjunto no Clube do Livro Serendipidade e contamos com a presença da autora no último encontro. Esse é um relato emocionante sobre identidade e cultura, mas também sobre respeito ao ser humano. Leitura gostosa e fluida, porém bastante densa, que eu recomendo muito.
No século XIX Marius e Spix vieram em missão para o Brasil para registrar o exotismo do país. Mais de três anos depois voltaram apara a Alemanha com relatos de viagens, espécies da fauna e da flora e dois indígenas, um menino e uma menina. É em cima desses fatos que Micheliny Verunschk tece sua narrativa, batiza de Iñe-e e Juri os indígenas arrancados do Brasil e levados para a Europa e a história para falar de nós como nação.
“O Som do Rugido da Onça” não é uma leitura fácil, a narrativa é atemporal, não no sentido de que não há um tempo definido e sim no sentido em que ela migra de um tempo para o outro em todo o instante. Uma hora estamos no século XIX, na outra estamos no século XXI e tudo conversa entre si articulando um quebra-cabeça narrativo que fala mais sobre como nós brasileiros sabemos pouco sobre os povos nativos até hoje.
A autora contou que as gravuras das crianças indígenas a assombraram como a personagem do livro. O assombro foi tamanho que ela ia com frequência visitar a exposição permanente no Itaú Cultural onde elas estão. Micheliny foi em busca da história dessas crianças arrancadas de sua terra e teve muita dificuldade de encontrar material sobre elas, registros ou estudos. Isso diz bastante sobre como nós como país lidamos com a nossa história.
Toda a criação do mundo pela visão do povo Miranha, de onde vem a protagonista Iñe-e, acrescenta ao livro uma camada de místico, de mundo das crenças que amarra o todo. Faz isso afrontando o leitor com todo o seu desconhecimento sobre o que existia aqui antes que europeus invadissem essas terras. A falta de reconhecimento de que toda essa cultura de diversos povos nativos também contribuíram e muito para a nossa formação e a negligencia que temos com todos esses povos até os dias de hoje permeia todo o livro.
Em 1817, Spix e Martius desembarcaram no Brasil com a missão de registrar suas impressões sobre o país. Três anos e 10 mil quilômetros depois, os exploradores voltaram a Munique trazendo consigo não apenas um extenso relato da viagem, mas também um menino e uma menina indígenas, que morreriam pouco tempo depois de chegar em solo europeu.
“O mundo é esse ser gigante que mal distinguimos se estamos distraídos, mas se apurarmos a vista encontraremos em seus detalhes.”
Contando a história da viagem de dois pesquisadores europeus, para o velho mundo e a volta para o seu país, e nesta passagem pelo Brasil levam consigo algumas pessoas. Durante a viagem sobram apenas as duas crianças. Nesta parte da narrativa vamos acompanhar a trajetótia destas duas crianças que foram levadas para outro país para que pudessem estuda-las, o que acontecem com elas, como são tratadas e exploradas.
Em uma outra parte, acompanhamos uma mulher, vivendo nos dias atuais, que vai a uma exposição sobre estas duas crianças narradas anteriormente. Durante a exposição, esta mulher sente o desejo de buscar saber sobre sua origem e a das crianças.
De maneira poética e lírica, Micheline consegue mesclar ficção e história e ensinando com uma didática meticulosa, nos leva a entender muito sobre a cultura indígena e a evolução desta cultura. Nos faz refletir e aprender muito sobre as nossas origens.
Para mim uma leitura bastante densa por trazer aspectos históricos em uma narrativa hibrida, acredito que devido ao momento em que estava a leitura demorou mais que o esperado.
Recomendo muito a leitura.
Você já se pegou olhando para um retrato como esse no museu, e se perguntando quem seria, o que pensava aquela pessoa?
Para a historiografia hegemônica, ela é somente um espécime exótico, uma gravura qualquer no museu. Tomando como foco esse exato retrato da coleção Brasiliana Iconográfica, a autora Micheliny Verunschk questiona : quem são, e como viveram as pessoas registradas nessas gravuras do Brasil Antigo? Por que sabemos mais da história de seus captores do que da delas?
Esse é o cerne de "O som do rugido da onça" . Nesse romance histórico conhecemos Iñe-e e Juri, crianças indígenas raptadas, permanentemente separadas de tudo aquilo que representava sua cultura e costumes .
O destino deles? A corte de Karoline de Baden e Maximiliano I na Baviera, em 1820.
A tragédia percorre estranhos rios e mares, e tem seu ato final na Europa. Na nova cidade, assistimos ao processo de desidentidade dessas crianças , que é duro e trágico. Seus rituais e suas histórias lhes foram tomadas, e, tal como uma flor despetalada, murcharam rapidamente, sucumbindo à crueldade e às doenças dos brancos em poucas semanas.
De Iñe-e e Juri, só conhecíamos seus rostos pelas gravuras de Von Martius. Agora, nesse livro, elas tem protagonismo. Suas vozes, suas culturas, seus olhares, tudo é que é desmerecido pelos brancos é bem captado pela narrativa. E, intercalado aos anseios das crianças na Europa, a historia também nos traz ao tempo presente, onde a jovem Josefa visita uma exposição e conhece a face de Iñe-e. Tomada de um sentimento estranho de identificação, ela passa a carregar Ine-e para onde que que vá, e questionar sua identidade mestiça.
Não sei como coube tudo isso em menos de 170 paginas. Ficou claro o esmero com a pesquisa histórica e cultural, o que eleva e muito a leitura.
Um livro curto e intenso, lirico e trágico, que certamente vai ganhar sua admiração.
Esse é um livro único sobre memória e pertencimento. História e linguagem extremamente originais, ele é uma verdadeira experiência literária. A história de duas crianças indígenas que foram arrancadas de sua família e sua cultura, entrelaçando século XIX com o Brasil de hoje. Brilhante, intenso! Recomendo.
"Um romance que expande as fronteiras da arte literária ao trazer memória, argumentos antropológicos e o melhor que a ficção pode nos oferecer." – Itamar Vieira Junior
O som do rugido da onça é uma obra cheia de lirismo. Uma narrativa apaixonada, uma forma de expressar os sentimentos de forma quase poética.
Durante a narrativa somos envolvidos por memórias, colonialismo — que não só exercia domínio político, mas também cultural que mudava hábitos e modos daqueles que controlavam—, e pertencimento.
Iñe-e e Juri, crianças indígenas arrancadas de sua terra natal, durante a narrativa, relatam sobre como foram levados forçadamente para a desconhecida Alemanha, perdendo assim seu nome, família e cultura. Em paralelo, temos também os relatos e a visão dos exploradores Martius e Spix que viam os indígenas como seres primitivos e à vista da dignidade e grandeza humana.
Entrelaçando a trama do século XIX ao Brasil contemporâneo, somos apresentados também a Josefa, jovem que reconhece as lacunas de seu passado ao ver a imagem de Iñe-e em uma exposição.
O Som do Rugido da Onça é um livro que tive o privilégio de ler antes de seu lançamento oficial, porque fomos convidadas para a Cabine de Leitura, juntamente com a autora, Micheliny. E depois de ter concluído a leitura e ter participado da cabine, eu preciso indicar este livro a todos. Claro que eu tinha gostado do que li, e explicarei melhor, mas ter entendido os motivos da Micheliny com a história e toda a sua pesquisa me fez amar mais o livro.
Iñe-e e Juri são duas crianças que são levadas de suas tribos por dois exploradores, Spix e Martius, e assim vão rumo à Europa. Essa é a história de como duas crianças indígenas foram levadas para morrerem longe de suas terras.
Estamos participando do Desafio Literário da Companhia das Letras: 5 livros nacionais em 5 dias. Durante toda essa semana, postaremos nossas impressões dos livros aqui no site em nosso Instagram, Convidamos todos a participarem conosco – para todas as dúvidas, basta ler nosso post completo sobre o desafio.
Eu gostaria de começar essa resenha falando sobre o quanto esse livro me surpreendeu. Claro que eu já imaginava, pela sinopse, que se tratava de um livro muito bem escrito, mas nunca imaginei ficar por diversas passagens com um pequeno caroço em minha garganta ao pensar sobre a vida tão curta de Iñe-e e Juri.
Esse livro me impactou de diversas formas e em diversos momentos, me fazendo terminar de ler ele com um sentimento bem conflituoso dentro de mim, porque ao mesmo tempo em que achei o final ter sido feito de uma forma poética assim, algo genial, parte de mim queria algo maior para aqueles que fizeram tanto mal a duas crianças da forma como esses dois homens fizeram.
O mais interessante sobre isso tudo é que eram pessoas reais nas páginas do livro: pessoas que existiram e que por um breve momento acharam que estavam fazendo algo certo, apesar de eu não conseguir acreditar completamente nessa narrativa. Eu fiquei me perguntando se “será que eles acreditam mesmo nisso ou será que a mente dele estava tentando mostrar como aquilo estava tão errado (vide que o próprio cientista tentou mudar e reescrever como se tivesse sido um grande salvador e não um homem que tirou uma criança de sua família e de toda a vida que ela teria pela frente)?”
O que mais me dói nisso tudo é saber quantas Iñe-e existiram (não só tiradas daqui do Brasil, mas algumas tiradas de outras partes do mundo) e que muitas delas ainda existem e estão por aí a mercê de pessoas que só olham para o próprio umbigo – e que não entendem o próprio privilégio, achando que por ter um privilégio assim, deviam chegar em suas casas e em suas famílias e fazer com que elas mudem totalmente o seu modo de pensar, de agir, seus nomes como se fossem grandes salvadores, ao invés de simplesmente deixarem as pessoas serem o que são.
Acho que vai passar muito e muito tempo antes de eu conseguir deixar de pensar nesse livro. E eu só tenho a agradecer a Micheliny, por ter escrito esse livro tão bom e tão bem estudado e detalhado e a Companhia das Letras pela publicação e por ter feito esse livro chegar dessa forma até a mim.
O mais interessante desse livro é que a autora, Micheliny Verunschk, parte de um fato histórico para compor sua narrativa. Durante uma viagem exploratória no Brasil do século XIX, Spix e Martius sequestram cerca de oito crianças indígenas, das quais apenas duas sobrevivem a viagem de retorno a Munique. Iñe-e e Juri, como foram nomeados nessa trama, são apresentados como adereços, "exemplares da fauna brasileira". Sendo assim, todo o enredo retrata o Brasil violado pelo conquistador que, infelizmente, tem seus impactos até os dias atuais.
A principal característica da narrativa é o lirismo, que pode causar uma estranheza inicial nos leitores. Eu, por exemplo, não sou tão acostumada com esse tipo de escrita, que a gente tem que estar muito mais atento que o normal para não se perder nas palavras. Acabou que esse aspecto me atrapalhou um pouco, ainda que seja um relato emocionante sobre identidade e cultura.
Livro com uma prosa poética, um lirismo lindo. História central é sobre o sequestro de duas crianças indigenas no Brasil, levadas para a Alemanha no século XIX por cientistas. Mostra o horror com que as pessoas lidavam e ainda lidam com o povo genuinamente brasileiro!