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“Casta: as origens de nosso mal-estar” cumpre muito bem o papel de denunciar os problemas raciais que assolam o presente, tendo sempre em vista o percurso histórico relacionado a eles, ao mesmo tempo que os aborda aliados ao conceito de casta, a qual, segundo a autora, é imprescindível conhecer, a fim de que as consequências do racismo herdadas e perpetuadas ainda hoje sejam, de fato, solucionadas. Ao longo do livro, apesar de a análise de Isabel Wilkerson ser centrada em seu país de origem, seria errado caracterizá-la como irrelevante ao debate sobre o racismo aqui no Brasil. Com efeito, não é difícil traçar paralelos ao que ela aborda com nossa própria realidade enquanto país, de modo que a leitura deste livro deve fazer parte da formação intelectual de todos aqueles que desejam entender o racismo, visando ao seu combate e não apenas a ele: a abordagem realizada pela jornalista não nos limita a enxergar a casta, definida por ser um estado mental, cuja ação é privar a imaginação de todos aqueles que dela participam, somente relacionada ao racismo, mas também como parte intrínseca da história da humanidade, de tal forma que o sistema de castas é mais abrangente que ele e engloba divisões sociais que o transpõem, isto é, a casta se refere a uma hierarquia social que pode identificar — e, portanto, submetê-los a lugares pré-definidos — os seus participantes com base também em seu gênero e orientação sexual, por exemplo. Esse é um dos grandes méritos de “Casta: a origem de nosso mal-estar”, pois este livro, mesmo que foque suas atenções nos afro-americanos, consegue abranger a todos, em prol da participação de toda a humanidade em busca de um mundo melhor, enfatizando, sempre que possível — uma vez que eles são os menos marginalizados —, como o racismo e o castismo prejudicam também os grupos dominantes. Nesse sentido, é impossível realizar a leitura integral da obra sem ser tomado pelo sentimento de que vivemos, realmente, sob um mal-estar que não deveria haver em pleno século XXI e cujo combate exige de cada um de nós ações imediatas — e constantes, porque “no momento em que paramos de lutar, a intolerância triunfa”, quer seja de um modo mais explícito, como foi há poucos séculos atrás, quer seja de uma nova forma mutante, menos explícita, mas ainda nociva aos grupos minoritários, pois esta se mantém inconsciente e rejeitada a todo custo, semelhante ao que testemunhos aqui, no Brasil.
Quanto aos aspectos da formatação do livro, devo destacar que são inúmeras as menções a crimes cometidos por brancos contra pessoas negras, durante e após a escravidão nos Estados Unidos, ações que, apesar de na mesma época em que foram cometidas serem consideradas crimes contra a humanidade se, e somente se, realizadas sobre os brancos, eram constantes — anunciando, de forma evidente, as raízes da continuidade do genocídio das pessoas negras ainda na atualidade, silenciado pelo próprio Estado e fonte constante para os protestos em escala mundial a favor dessas vidas. Esse tipo de violência contra elas, destaca Isabel Wilkerson, fazia e continua fazendo parte de uma tentativa deliberada de se manter uma hierarquia baseada, essencialmente, em mentiras, às vezes tão pouco evidentes pela impregnação delas no subconsciente coletivo durante séculos, que elas se passam por verdades até hoje. Além disso, considero relevante mencionar que me frustrei ao realizar a leitura de muitos capítulos que não relacionam entre si os sistemas de castas estadunidense, indiano e nazista. Pareceu a mim que faltou certa organização, mesmo porque a autora, ao abordar os oito pilares da casta, deixa de evidenciar a relação de alguns desses pilares a todos os contextos que citei, principalmente ao da Alemanha nazista, talvez, assim creio, por falta de preparo a essa difícil tarefa. Isso, isto é, a aparente falta de organização do conteúdo do livro, fica mais evidente quando é realizada a leitura dos capítulos posteriores aos da parte três, nos quais julguei que alguns pudessem estar, justamente, nesta, e não nas outras. Essa sugestão deve parecer um pouco, ao menos, óbvia a outros leitores, que irão se deparar com inúmeras passagens, como “Num sistema de castas...”, cujas palavras introduzem uma generalização do castismos, sem, no entanto, elas pertencerem à parte destinada aos pilares de casta, ou mesmo lerem capítulos em que tais construções sintáticas não ocorrem, mas cujos raciocínios são perfeitamente cabíveis de serem inseridos nesta parte do livro, por exemplo, aquele presente em “Um bode expiatório para carregar os pecados mundo”. Levando-se em conta, porém, o tamanho da obra e do caráter, profundamente, acessível das informações que ela vincula, esse defeito, em minha opinião, não diminui em nada a qualidade do trabalho, evidentemente árduo e longo, realizado pela Isabel Wilkerson, mas é a razão pela qual não o avalio com nota máxima.
Por fim, a sugestão da leitura deste livro é evidente e deve acompanhar outras bastante relevantes para o entendimento e a atuação de cada um de nós sobre o mundo em que vivemos. Se você esteve lendo ou procura ler livros a respeito da situação social conflitante tão em voga nos últimos anos nos Estados Unidos e no Brasil, principalmente em face das recentes eleições, você sabe ou saberá que o racismo ocupa um papel central nas discussões acerca destes países, tanto de uma perspectiva histórica, quanto futura. Dessa forma, “Casta: as origens de nosso mal-estar” não pode se deixar escapar de você, assim como todos aqueles que nascem num sistema de castas não escapam de sua influência.
Livto extremamente necessário, no mundo inteiro sem dúvidas. Falar de racismo é preciso, entender e preciso, lutar contra e preciso. Livros que trazem essa questão tem chamado cada vez mais minha atenção. E fiquei surpresa com a forma abordagem do mesmo.