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Daniel Galera é um autor que tem livros que eu gosto bastante (Barba ensopada de sangue, Até o dia em que o cão morreu) e outros que não gosto (Cordilheira). Se você ainda não conhece o autor, esse livro é ótimo para conhecê-lo! As novelas não são muito longas, é um texto bem fácil de ler e toda a criatividade dele está aqui. Gostei bastante!
A primeira, que dá nome ao livro, foi a que eu gostei mais. No fim de semana do segundo turno da eleição de 2018, naquele momento tenso em que o Brasil caminhava para um presidente autoritário de extrema direita, uma mulher entra em trabalho de parto. Decidida a aguardar pelo parto normal, ela fica em casa esperando a hora de ir para o hospital, vivendo as dores do trabalho de parto e do que viria após a eleição. Aqueles breves momentos de esperança em que pensamos que ainda dava pra virar, e a frustração quando a gente caía na real.
A segunda novela é bem distópica, mas recentemente pensei muito nela com essa onda de calor. As pessoas estão vivendo em apartamentos e não tem como sair na rua, só viver no ar condicionado. Não apenas o calor absurdo é o problema, mas também a quantidade de gases tóxicos. Nos apartamentos, elas plantam e criam animais para consumo – o protagonista dessa novela tem uma criação de peixes (!!!). Nesse contexto futurístico, as pessoas podem se utilizar de uma tecnologia que promete a imortalidade: suas memórias e sentimentos são transferidos para objetos, que variam em formato e alguns até mimetizam uma pessoa, e prometem que mesmo que a pessoa morra, seus parentes continuariam a ter, de uma forma meio bizarra, a pessoa ali. Isso deixa vários traumas nas pessoas que ficam com esses dispositivos, e elas se reúnem em grupos de terapia para discutir seus sentimentos em relação à situação. Aquele dispositivo representa mesmo as pessoas que elas amavam? Muitos têm vontade de desligá-los, mas isso seria matar a pessoa querida, que pensou em perpetuar sua vida por meio daquele objeto?
A terceira novela se passa num futuro distante, quando o planeta já colapsou. As pessoas se organizam em tribos, e aos poucos vamos entendendo o que aconteceu até chegarmos ali – na verdade, aconteceu tudo o que acontece agora: falta de interesse de realmente resolver o problema do aquecimento global, diminuir a poluição, preocupação real com o equilíbrio com o meio ambiente, e tudo o que a gente já sabe. Até a pandemia entrou na história.
Muito bom! Sou fã da escrita de Daniel Galera e aqui, apesar de o autor se valer de uma pegada voltada para a ficção científica para contar suas histórias, não deixa de lado em nenhuma delas o lado bastante humano dos personagens. Nos três textos também é muito presente uma característica que o autor já gosta de usar nas suas histórias, que é de tratar sobre relações familiares complexas e relacionamentos com reflexões profundas sobre o futuro, como no caso da primeira novela. A última publicação do autor tinha um clima pré-apocalíptico com todo o cenário ali dos anos 90 em Meia Noite e Vinte e é legal ver como aqui existe - não que seja totalmente - um clima pós-apocalíptico, em que o mundo sofreu muitas mudanças, que na verdade vão crescendo de uma história para outra, e a relação dos humanos com a natureza também se tornou mais profunda, como no entendimento mútuo que dá pra perceber em Bugônia, a terceira novela. Adorei a experiência de ler o livro, vou querer providenciar pra ter essa edição na minha estante junto com as outras e completar minha coleção.
Livros de contos e novelas eram algo que eu não conseguia gostar e investir porque eu gosto de saber fins e entender começos. A ideia de uma história ser contada e encerrada normalmente em um espaço de tempo mais rápido que não entregaria em detalhes um começo-meio-fim não me permitia me entregar completamente. Mas ainda bem que amadurecemos e aprendemos mais sobre a vida e nós mesmos, e foi assim que eu fui dando chances a livros de contos até chegar aqui, no lugar no qual me encontro, realmente aproveitando contos e novelas.
E é o caso de “O deus das avencas”, mais novo livro de Daniel Galera, que reúne 3 novelas que tem um profundo impacto em quem as lê pelo simples fator humanidade. Li o livro e tive a oportunidade de participar de uma conversa com o autor e entender um pouco mais sobre os universos das novelas, me deixando mais encantada ainda com a criatividade e a possibilidade de nos jogarmos em histórias que parecem tão diversas entre si – mas só parecem.
O livro traz os contos: “O deus das avencas”, “Tóquio” e “Bugônia” que se passam em tempos diferentes, em uma linha temporal bastante distinta: enquanto a 1ª novela nos leva de volta ao final de semana das eleições de 2018, o 2º avança algumas décadas adiante – e o 3º talvez algumas centenas de anos no futuro, cada um com suas peculiaridades e momentos altos, mas todos com algo muito intenso para dizer.
Em “O deus das avencas”, a novela que abre o livro e leva o mesmo nome do livro, temos o casal Lucas e Manuela, os quais, depois de um tempo juntos, estão aguardando a chegada do primeiro filho. Parece um processo de felicidade e ansiedade pela chegada do novo membro da família, mas que aqui faz os personagens chegarem ao limite, já como o parto está se arrastando por todo final de semana. Em uma sensação forte de claustrofobia, com o casal desligando os celulares e escolhendo o parto normal enquanto se fecham na bolha do aguardo das contrações acelerem para que possam seguir definitivamente o hospital sem serem mandados de volta, vemos as inseguranças dos novos pais aflorarem, sem ter certeza sobre o futuro deles, do filho e do país, tudo acontecendo e ruindo ao mesmo tempo, passando para o leitor todas as sensações dos personagens nas páginas.
Já em “Tóquio”, a 2ª novela, e minha favorita, nos encontramos no Brasil em alguns anos no futuro, entendendo uma tecnologia que basicamente deu a imortalidade aos ricos: você poderá fazer o download de suas memórias e quando morrer, um novo vaso lhe será dado, com suas memórias ali, implantadas. É como se assim a pessoa pudesse voltar ao ponto de sua ida aonde suas memórias foram “baixadas” – e de cara somos apresentadas ao personagem principal, o qual fala com clareza que desprezava sua mãe, a quem agora tem um dispositivo ovoide aonde as memórias de sua mãe se encontram, o levando para um grupo de pessoas que se encontram na mesma posição que ele: o que fazer com aqueles dispositivos? São as pessoas que eles conheceram e amavam ainda ali?
Em saltos temporais alternando entre passado e presente, somos apresentados a seu complexo relacionamento com a mulher e contemplamos o colapso da sociedade brasileira e mundial, tudo envolto em questionamentos bastante mudamos que nos levam a imaginar o que realmente nos faz: nossas memórias? Nossas escolhas? Nossos relacionamentos? Seja como for, o que podemos (e devemos fazer) é tentarmos mais, sermos melhores e aprendermos com nossos erros.
E, encerrando, temos a terceira novela: “Bugônia”. Se na novela anterior estamos assistindo o colapso da sociedade brasileira e mundial, aqui já estamos colapsados: vemos os humanos vivendo em especie de tribos – ou, como chama, Organismo –, criando as crianças de suas “tribos” coletivamente. Chama é uma criança desse grupo, que segue bastante os ensinamentos da Velha, que é uma das duas lideres daquelas pessoas. Apesar da pouca idade, Chama já enxerga o mundo de uma forma que as outras pessoas ao redor dela parecem não ver e essas diferenças são potencializadas com a chegada do que parece ser um homem que cai do céu em uma nave.
Vamos aprendendo mais sobre o passado e como as pessoas chegaram ali em uma sociedade que vive em simbiose com as abelhas (sim), mas, como vocês podem imaginar, sabemos que foi basicamente as mesmas decisões que a nossa sociedade toma atualmente, nos condenando a uma loteria aonde somos os ricos sobreviverão – até seu destino colidirem novamente com os que não tinham as mesmas condições que eles.
Ainda faço menção ao nome das novelas: “Tóquio”, que se chama assim pelo acontecimento que se desenrola na cidade de Tóquio e transforma o relacionamento dos personagens, enquanto “Bugônia” me fez pesquisar o significado da palavra (e indico você a procurar também!). “O deus das avencas” é um livro que traz 3 novelas provocativas que nos fazem entrar em contato com nossa própria humanidade, nos fazendo questionar o que desejamos para nosso futuro. Se você ainda não conhece o autor, o livro que pode lhe apresentar a Daniel galera muito bem está aqui.
Deus das avencas, trás três novelas, que aborda o tema do nascimento, morte e renascimento.
Na primeira, temos narrada a experiência de um casal com a chegada do primeiro filho. Podemos acompanhar todo o longo processo de espera do parto que se inicia, os pensamentos e angústias que passam a afligir os pais da criança.
Já no segundo, vemos um filho que perde a mãe, após essa fazer um suposto procedimento inovador de transferência de memória de seu corpo humano para um aparelho, claro que isso não corre bem e ele acaba de posse de uma esfera inútil, que contém fragmentos de memórias dessa mulher, que teve um papel contraditório na vida desse filho.
A terceira novela passa num futuro distante, onde a população foi praticamente dizimada por uma pandemia, e uma super bactéria. Alguns sobreviventes, mesmo contaminados encontram uma forma nova de existência, em uma comunidade que se alimenta de um remédio natural produzido por abelhas a partir da decomposição de cadáveres. Mas até onde os velhos costumes iram interferir no bom funcionamento dessa comunidade que se desenvolve?
Amei cada uma das novelas, todas trouxeram pontos de vista inovadores a respeito de assuntos já batidos para os leitores. Espero em breve adquirir outras obras do autor.
Já conhece essa obra? O que acha que acontecerá com a humanidade em algumas décadas?
Muito bom ver o autor ousando mais nas narrativas. Para quem o acompanha desde sempre, não é novidade a estratégia de usar histórias menores que, no conjunto, nos dão um romance: já fez isso de modo excelente (em Mãos de cavalo) e em experimentos menos eficazes (Meia noite e vinte). Ver o autor flertar com a ficção científica o aproxima de um dos autores que o inspiravam na década anterior (David Mitchell, a saber, de quem foi tradutor) e traz certo frescor ao leitor brasileiro, que quer tudo menos um realismo que o enclausure na conjuntura contemporânea do país. Uma boa e rápida leitura.
O deus das avencas foi uma surpresa para mim. Nunca tinha lido nada do Daniel então tudo foi novidade, desde o que encontrei com o passar dos capítulos até entender toda a mensagem transmitida. Teve seus altos e baixos, mas no final gostei do que li.
Aqui temos três novelas com diferentes protagonistas e em diferentes épocas. Mergulhamos em vidas de personagens completamente diferentes e que nos trazem emoções conflituosas e nos fazem refletir sobre possibilidades do que pode acontecer no agora e em futuros distópicos.
O livro O deus das avencas é composto de 3 novelas: O deus das avencas, Tóquio e Borangia. O primeiro é um casal grávidos nos momentos antes do nascimento do filho. Relata as angústias e dores do casal. A segunda novela é uma distopia, em um mundo futuro onde um filho vai em uma terapia para lidar com o espectro da sua mãe. E no último é também uma distopia em um mundo perdido em um topo onde as abelhas se alimentam de cadavares para fazer o nectar para tratar os humanos. Galera arrasa como sempre.