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Na coletânea Let me tell you, Shirley Jackson, entre contos, ensaios e outros escritos, fala sobre a sensação aterrorizante de ser uma garota neste mundo, especialmente uma que está percebendo o que significa ser mulher. Isso não soa como novidade para quem já leu qualquer coisa da autora, que desdobra tal tema em suas histórias. Mas é interessante ressaltar o quanto ela dava peso ao horror que a vida que se avizinha para aquelas meninas, já inseridas num mundo assustador e predatório, era repleta de outro tipo de assombro: "casamento e crianças".
O homem da forca (Hangsaman no original) pode ser lido de algumas formas. Minha leitura é baseada justamente no ponto do horror em ser mulher. Natalie Waite (seu sobrenome já indicando uma característica importante de sua personalidade - "wait" significa "espera") é uma jovem de dezessete anos que está prestes a ir para a faculdade. Enquanto isso, habita a casa de seu pai, um escritor e crítico literário cujo hobby é dar festas para pessoas aleatórias que ele considera importantes. Todavia, quem tem de prepará-las é sua esposa, Charity Waite, e a própria Natalie, que a ajuda. O irmão da protagonista simplesmente se recusa a participar dessas coisas e flutua pelo romance como uma figura misteriosa, com uma vida secreta - livre das amarras do pai por ser homem e, assim, ter liberdade para traçar seu próprio caminho.
Mas os caminhos das mulheres correm todos na mesma direção em O homem da forca. Natalie se achava inteligente e culta, mas logo descobre que todos os livros que leu, as aulas que teve com seu pai, tudo o que lhe fora ensinado de nada adiantam perante um mundo de homens. Sua mãe lhe avisa: achava que o casamento era uma válvula de escape de sua família, que com ela seria diferente - ela e o pai de Natalie teriam vida própria, quebrariam o ciclo das mesmas convenções aprisionadoras. Mas lá estava ela, preparando uma festa que ela não queria dar, para pessoas com quem não se importava, tudo isso em meio a lágrimas porque o marido determinou que assim seria. Ela ainda tenta novamente chamar a atenção da filha ao lhe dizer que o pai de Natalie faria com ela a mesma coisa que fez depois do casamento: lhe restringiria assim que ela começasse a pensar em liberdade, assim que começasse a ficar maior do que ele.
Natalie sai do desabafo da mãe para a festa, pensando que seria adulta, que seguiria os passos do pai. Mas o pai, que está muito ocupado com o braço em volta da cintura de uma garota jovem e bonita que Natalie não conhece, não percebe quando um de seus convidados, um homem mais velho, estupra a filha num canto do jardim.
Não é espanto algum que o resto do livro seja uma narrativa de dissociação. Natalie, que já era criativa, permeando sua existência com uma história fictícia de detetive, desdobra-se em duas, três, quatro personagens. Nem sempre sabemos o que é real ou o que é ficção na vida da protagonista - e esse também é um ponto da história: só porque acontece na mente significa que aquilo não é real? Como ter certeza da realidade? Shirley Jackson desafia esses limites com uma personagem quebrada, que vai se despedaçando para não lidar com o trauma. E esse trauma é duplo: sim, do abuso sexual, mas também do cerceamento que o pai lhe impõe, da relação quase incestuosa com ele, da maneira como ele admite que planejou a infelicidade da filha a colocando numa faculdade onde sabia que ela não iria se encaixar.
A quebra da idealização infantil da vida adulta é traumática. Natalie percebe que a mãe estava certa. Não há como negar isso quando seu professor de literatura, Arthur Langdon, aproxima-se de Natalie. Primeiro, nas aulas; depois, quando ela conhece sua esposa, Elizabeth Langdon, uma até então aluna da faculdade que, após uma temporada de assédio do professor, casou-se com ele.
Elizabeth passa os dias solitária, bebendo tudo o que tem em casa. Em determinado momento, ela confessa a Natalie que já tentou se matar três vezes. Em outro, após uma reunião na casa de duas alunas - uma das quais é claramente amante de Arthur -, Elizabeth bebe até desmaiar e, ao despertar, diz claramente a Natalie que deseja morrer. Aos poucos, ela vai se matando. Cursou metade da faculdade, pensara ter um futuro casando-se com um professor, mas tudo o que tem é um marido que a despreza e que a trai a olhos vistos com alunas - antes, suas colegas de aula.
As vidas das mulheres em O homem da forca são um eco, uma repetindo a outra. A juventude, vivida entre descobertas e medos, logo dá lugar ao abuso sexual e a um destino à sombra do marido, repleto de lágrimas e tentativas suicidas. Natalie, vendo isso e já tendo ela mesma sofrido abuso, passa o romance inteiro contemplando o suicídio. Morrer jovem, para ela, parece ser uma alternativa muito mais aceitável, uma forma de controlar seu destino, do que permitir que uma "mente tão brilhante" quanto a dela acabe da mesma maneira que sua mãe, que Elizabeth, que tantas outras mulheres conformadas com uma adultez de que não podem fugir.
Ao falar sobre suicídio, seja com o pai ou com o professor, Arthur Langdon, não há um momento de preocupação nas respostas dos homens que deveriam cuidar dela. Há, no lugar, um vago interesse pelo que simboliza o suicídio na mente daquela jovem. Ninguém pensa que aquilo pode ser algo sério - é como se o destino de todas as mulheres fosse flertar com a morte. A atenção dada a elas é a mesma dada a uma criança fazendo birra - o que apenas as empurra mais e mais para tentativas suicidas.
Em geral, diversos críticos aceitam este como o romance mais autobiográfico de Shirley Jackson. A protagonista potencialmente escritora, o pai e o professor representando a figura do homem intelectual - ecoando seu próprio marido, Stanley Edgar Hyman, um escritor e crítico literário com quem a autora teve um casamento difícil, para dizer o mínimo. Jackson produziu muitas obras literárias durante sua vida, mas tudo isso enquanto tinha de cuidar da casa, do marido e dos filhos. (Vale dizer que uma das obsesssões de Hyman eram as teorias sobre mitos de Andrew Lang, antropólogo que postulou questões sobre a relação entre barbarismo e mito - o próprio nome de Arthur Langdon, professor do romance, soa como uma versão de Andrew Lang, e o título, Hangsaman - O homem da forca na tradução de Débora Landsberg, mas "o enforcado" numa tradução literal - fala da carta do tarô, do mito, da iconografia associada ao sacrifício, que se faz presente na última parte do livro. Parece que era, de fato, algo muito pessoal para a autora.)
É importante ressaltar que esse marido, diga-se de passagem, não acreditava em estupro, de acordo com Ruth Franklin, biógrafa da autora. Hyman "dizia constantemente que não acreditava ser possível uma mulher ser estuprada" porque "não importava o quanto protestassem, as mulheres queriam ser forçadas ao sexo e, finalmente, sua agitação as tornava receptivas" (tradução livre). O quanto da obra de Shirley Jackson, que trata tanto e de tantas maneiras sobre abuso sexual, não é uma resposta a isso? E o que isso significa quando pensamos em termos de estupro marital? São questões em aberto, mas que podemos bem imaginar. Natalie é estuprada na festa logo após seu pai lhe perguntar se ela já havia sido "corrompida", com um tapinha no ombro, na frente de todo mundo. Minutos depois, um dos amigos do pai a leva a um canto e tudo o que sabemos é que na manhã seguinte Natalie acorda com hematomas no rosto, machucada, repetindo constantemente que não, aquilo não aconteceu, nada aconteceu e, se ela não pensar a respeito, nada terá acontecido. Sua família, todavia, não percebe o quão machucada ela está quando desce para o café da manhã. Ninguém se importa com o corpo de uma mulher.
Esse não importar-se desperta em Natalie um desejo suicida que encontra par nas outras personagens adultas. A transição da adolescência para a adultez é marcada pela consciência de que naquele mundo o único controle que uma mulher pode ter sobre seu próprio corpo reside em decidir quando morrer. Nos Estados Unidos dos anos 1940 e 1950, a taxa de suicídios entre mulheres de 20 a 30 anos manteve-se alta. Os motivos, ainda que não explanados, podem ser inferidos. A mudança que compulsoriamente ocorria na vida de uma mulher estadunidense da época era o casamento. É curioso que logo após a jovem mulher tornar-se esposa, a escolha de tornar-se morta apareça. Infelizmente, os dados não nos dizem muito além disso - mas a literatura produzida por mulheres na época diz. A história relatada por mulheres que escrevem é uma que nos dá nuances e motivos. É uma história de despersonalização, abuso e tentativas de escapatória através de uma solução permanente.
Sabe aquele livro que começa promissor, mas você lê e simplesmente nada acontece.
Se tivesse mais algumas páginas eu teria abandonado, é um livro totalmente desconexo, várias coisas acontecem ao mesmo tempo, mas nenhuma dessas narrativas é concluída, então você termina o livro sem saber realmente de nada, e exatamente como começou sem entender nada.
Uma narrativa densa que entrelaça pontos inesperados e parece proposital ao deixar outros em aberto. Sobre a solidão experienciada ao crescer e sair de casa numa realidade que reduz à mulher ao estereótipo adquirido quase sem perceber.
Eu tinha muita curiosidade em conhecer o trabalho da Shirley Jackson, mas esse talvez não tenha sido o melhor pontapé inicial. Achei a história maçante ao extremo, além do que uma trama como essa pedia, e sem momentos interessantes o suficiente para instigar a leitura. Abandonei antes da metade porque não sentia vontade de continuar, mas ainda quero dar outra chance pras histórias dela porque sei que outros livros são espetaculares.
"Isso não está indo bem, Natalie pensou; quanto ele quer saber, e o que devo lhe contar? Papai querido, sou um desastre, detesto a faculdade e detesto todo mundo?"
Queria poder dizer que entendi bem O homem da forca, mas seria uma mentira. Interpretei ele como uma jornada de amadurecimento de uma personagem que pensa demais, com uma família estranha, um pai narcisista e uma mãe infeliz.
É um livro muito estranho, com cenas que não são retomadas, personagens que surgem e somem do nada e uma história que nunca parece chegar em lugar nenhum, apesar de várias questões serem começadas: as dificuldades da Natalie na faculdade, as trocas de carta com o pai dela...
Mas nada disso é desenvolvido. Talvez o livro seja mesmo sobre as estranhezas e durezas da vida, sobre a dificuldade da passagem de adolescente para adulto, é sobre olhar todos esses obstáculos no olho e sobreviver a eles.
Infelizmente a Shirley Jackson escolheu um jeito muito confuso e entediante pra fazer isso. Com uma trama que não evoluiu e toda a confusão da mente da Natalie, é difícil acompanhar tudo. Tudo bem alguns detalhes em aberto, mas tudo??
Já li Sempre vivemos no castelo, A assombração da casa da colina e A loteria da mesma autora e curti demais tudo, mas O homem da forca não deu pra mim.
Ricamente escrito. Extremamente interno. Sem trama. Estranho e peculiar. Moody, triste e assustador. Eu li isso muito devagar para ter certeza de que entendi completamente, mas sobre qual história de Shirley Jackson você pode dizer isso? É o que amamos nela. Ela cria essas palavras e mundos efêmeros e misteriosos, principalmente dentro da cabeça do protagonista. Ele escorrega de seus dedos momentos depois de você o ter arrancado do éter. Você o perde e o quer de volta. Você o perde e o quer de volta. De novo e de novo
O Homem da Forca foi lançado em 1951, escrito por Shirley Jackson, ele foi meu primeiro contato com sua escrita. Aqui conhecemos a jovem Natalie Waite, a qual deixa a casa de sua família para a faculdade, por ordem do seu pai. Antes disso, ela é interrogada por um policial a respeito de um crime que um tanto nos deixa confuso.
Já na faculdade, o que à primeira vista parece ser um lugar de novas amizades e experiências, logo se mostra marcado pela solidão e pela loucura.
A sinopse nos diz que este romance foi baseado em um desaparecimento na vida real de uma estudante universitária em 1946. A trama é intencionalmente confusa, mudando pontos de vista e cenas rapidamente, antes que você tenha uma noção concreta de onde está e o que está acontecendo. Natalie por vezes se questiona o que ela vê e experimenta como realidade, e esses são os fragmentos mais lúcidos deste romance.
Por mais que O Homem da Forca seja um thriller psicológico bem escrito, a autora passa a falta de lucidez da protagonista na escrita, fazendo com que em alguns momentos a leitura seja entediante, mas quando menos percebe, ela te arrebata de volta com algo interessante. É isso. É aquele tipo de livro que não podemos nos desdobrar muito sobre ele.
Essa foi minha primeira experiência com um livro da Shirley Jackson.
Sempre li terror e suspense, e sempre me foi uma experiência agradável (mesmo que a ironia dessa frase seja clara hahaha), e sempre quis ler algo da Jackson pelo impacto todo dela.
E foi um dos livros de terror psicológico mais intensos que já li. Toda a realidade da protagonista, os traumas, a dualidade de não entender o que realmente está acontecendo na vida real, o que é delírio adolescente, quem existe e quem não existe, tentar pegar as migalhas de pistas da autora.... é tudo fantástico demais.
Virei fã automática da Jackson a partir desse instante. E a tradução foi fantástica também por conseguir encadear os longuíssimos parágrafos desse livro de uma maneira que só acentuou o clima de loop.
Em breve uma resenha mais extensa lá no site do Multiverso X. :)
Que livro mais... Doido?
Não foi meu primeiro livro da autora, eu amo Nós sempre vivemos no castelo e seu conto A loteria é um dos meus preferidos da vida! Então solicitar O homem da forca foi algo que fiz sem pensar...
E fico feliz se ter feito isso e mais ainda que a editora tenha me dado a oportunidade de ler esse livro.
A leitura não é fácil, a personagem principal é uma adolescente tranquila mas que vive em mundos só dela, todos dentro da sua cabeça.
Natalie sai da casa dos seus pais para a universidade e dá de encontro com um mundo real totalmente diferente do que tinha em casa e o livro não é apenas sobre a estranheza da personagem mas também de como ela percebe o mundo a seu redor.
Recomendo muito a leitura de O homem da forca.
Da mesma autora de “A Assombração da Casa da Colina”, livro que inspirou a série “A Maldição da Residência Hill”, em “O Homem da Forca”, Shirley Jackson apresenta ao leitor um thriller psicológico que o faz questionar sua sanidade. Na história, somos apresentados a adolescente Natalie Waite, que ao completar 17 anos entra na universidade e, por causa disso, sai da casa dos pais.
Natalie é uma jovem solitária e que, por isso, vive imersa em seus próprios pensamentos. Em muitos momentos, a personagem está tão perdida em sua mente, que não presta atenção no que as pessoas ao seu redor estão falando ou fazendo. A narrativa do livro muitas vezes é confusa, porque a autora nos transporta para a mente de Natalie, intercalando pensamentos e diálogos entre os personagens.
Natalie vive com seu pai, Arnold Waite, que é escritor e um homem bastante controlador; sua mãe, a Sra. Waite, uma mulher consumida pelo papel de mãe e esposa e seu irmão mais novo Bud. Somos apresentados à dinâmica dessa família no início do livro: há aqui a tradicional divisão de papéis, o que é explicitado em uma conversa que mãe e filha têm durante um evento que ocorre na residência da família. Nela, a Sra. Waite aconselha a filha que escolha bem um marido, alguém diferente do pai, segundo ela.
Durante esse evento, um acontecimento ruim ocorre com Natalie. Ela tenta esquecer e seguir em frente. Ao chegar à faculdade, ela acredita que tudo será diferente, terá mais liberdade e poderá se descobrir, enquanto pessoa, porém as coisas não ocorrem como ela esperava. Durante todo o livro o leitor tem dificuldade de entender o que é real e o que é alucinação. Em alguns momentos senti uma certa ansiedade ao ler o livro, uma vez que a autora conseguiu transmitir muito bem esse sentimento de confusão mental, pela qual a personagem passa.