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É incrível a maneira como Carrascoza consegue, em terceira pessoa, recuperar as memórias, as saudades e os fragmentos de suas histórias, de suas vidas e de tudo que compõe o todo que ele é ou que ele se propõe ser na ficção.
A leitura é emocionante e a maneira poética com a qual o autor se refere a alegria, a dor, a leveza e a dureza dos atos e das expectativas, do dito e do não dito e do feito ou não ou mal, feito.
Antes de começar a ler, procurei por informações e em algum comentário ou resenha a pessoa comparou o livro a um mosaico. Esta pessoa está certa, o livro é um mosaico com belas formas que se constroem e se reconstroem em inúmeras versões de um mesmo fato, sendo contado e recontado e contado novamente de diferentes pontos de vistas ou diferentes momentos no tempo.
“Porque lembrar é um modo de confirmar que, de fato, vivemos o que vivemos. Porque lembrar é uma prova de que não estivemos sozinhos (embora possamos estar agora).”
O tempo passa para todos os viventes. Para uns, a passagem dura mais; para outros, menos. E, assim que passa, como um caminho só de ida, coisas ficam para trás, como um objeto na caixa de recordações ou uma pessoa, da qual mal se lembra a fisionomia. Mas o que foi vivido não pode ser desvivido e as memórias nos fazem inventariar cada instante, importante ou simples, tão simples que não consta no contrato.
Um homem inventaria sua vida. Da infância, recorda-se de momentos corriqueiros que poderiam ter passado despercebidos, mas ente o tamanho do seu significado. Lembra-se do pai que partiu cedo, da mãe e seus afazeres, da família sentada à mesa. Mais adiante, ele se torna o pai sentado à mesa com os filhos e se lembra dos amores vividos e desfeitos. Evoca viagens a lugares físicos e internos, por caminhos que o levaram à escrita e à certeza de que a vida, além de ser um repetir, repetir, repetir, também acaba.
Perceber e sentir a vida é o que propõe (intencionalmente ou não) Inventário do azul, obra em que Carrascoza, com sua sutil e sensível escrita, nos faz acompanhar a vida (contratante) desse personagem (contratado) em suas diversas fases, em capítulos curtos que pontuam momentos importantes, ainda que triviais. Desta forma, mostra o valor do vivido para quem o viveu, assim como o desejo de deixar esse legado a quem vem depois.
Não é difícil que relacionemos a vida do protagonista à do próprio autor, principalmente ao enxergarmos os detalhes nas entrelinhas relacionados à literatura. Isso confirma o que o próprio escritor disse em uma conversa, que o leitor busca humanidade no livro e que, por isso, o escritor pode escrever algo que é do outro, mas que o faz reviver uma emoção, algo que é seu.
É assim que defino Inventário do azul, um livro de emoções, um livro para sentir. Repleto de recordações, solidão, esperança, descobertas e um impulso a se viver, pois a vida é efêmera. Leiam e sintam.