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Susan Sontag, Walter Benjamin e o signo de Saturno
"O estilo de trabalho do melancólico é a imersão, a concentração total. Ou ele está imerso ou a atenção flutua para longe. [...] Pensar e escrever são, em última análise, questões de energia. O melancólico, que sente falta de vontade, pode ter a sensação de que precisa de todas as energias destrutivas que puder reunir." (Susan Sontag)
Susan Sontag (1933-2004) nasceu em Nova York e é considerada uma das maiores críticas estadunidenses de todos os tempos. Escritora de romances e ensaios, ativista em prol dos direitos humanos e em campanhas sobre a AIDS, cineasta e professora, cursou filosofia na Universidade de Chicago e fez pós-graduação em Harvard. Dentre suas obras mais famosas, está Notas sobre o Camp (Notes on Camp), de 1964, e o livro Sobre a Fotografia, de 1977.
Sob o signo de Saturno é uma coletânea de sete dos mais famosos ensaios escritos por Susan Sontag, publicada pela primeira vez em 1980. Os ensaios são os seguintes: Sobre Paul Goodman (1972), Conhecendo Artaud (1973), Fascismo Fascinante (1974), O Hitler de Syberberg (1979), Recordando Barthes (1980), A Mente como Paixão (1980) e o ensaio que dá nome ao livro, Sob o Signo de Saturno (1978), que descreve a personalidade saturnina e explora com muita maestria a complexidade a melancolia e os devaneios de pensamento de Walter Benjamin.
"Ele era o que os franceses chamam de un triste. Em sua juventude, parecia marcado por uma 'tristeza profunda', escreveu Scholem. Considerava-se um melancólico, desdenhando os rótulos psicológicos modernos e invocando a tradição astrológica: 'Vim ao mundo sob o signo de Saturno — a estrela da revolução mais baixa, o planeta de desvios e atrasos...'”
O planeta dos desvios e atrasos
Walter Benjamin (1892-1940) foi um dos mais importantes críticos literários, tradutores, sociólogos, filósofos e ensaístas de todos os tempos. Com mais de vinte obras publicadas, que versam sobre variados assuntos, desde obras acerca do conceito de história, de drama barroco alemão, às vanguardas artísticas como surrealismo e dadaísmo, e importantes textos, livros e ensaios sobre grandes autores e suas obras, como Johann Wolfgang von Goethe, Marcel Proust, Charles Baudelaire e Franz Kafka. Veio de uma família judaica alemã e foi um dos líderes da Associação Livre de Estudantes Alemães e também sempre esteve ligado ao marxismo. Suas teorias influenciaram as formas de se enxergar a sociedade, a política, a ciência e as artes.
Falando sobre signos e mapas astrais, de forma literal, Walter Benjamin em nada tem a ver com os signos regidos pelo planeta Saturno. Benjamin nasceu em 15 de julho de 1892, quando o sol estava em câncer. Entretanto, ser uma personalidade nascida sob o signo de Saturno não tem muito a ver com os astros em si, mas sim pela maneira com que se enxerga o mundo e a si mesmo.
Saturno sempre esteve ligado à melancolia, à nostalgia, à distância, ao luto e à morte. Do Titã Cronos, que representa o tempo, e que devorava os filhos, — como pode ser visto, por exemplo, na famosa pintura de Francisco Goya, Saturno Devorando o Filho (1820-1823) —, até a Idade Média, quando o vínculo entre Saturno e a melancolia se tornou constante. O jeito melancólico, perdido, sonhador, confuso e distraído de muitos artistas, escritores e filósofos entrou pra história e trouxe até a contemporaneidade a referência ao mito de Saturno, que foi usado como referência por Susan Sontag para escrever seu tão famoso ensaio sobre Walter Benjamin.
"Para a personalidade nascida sob o signo de Saturno, o tempo é um meio de coerção, inadequação, repetição, mera realização. No tempo, somos apenas o que somos: aquilo que sempre fomos. No espaço, podemos ser outra pessoa. O fraco senso de direção de Benjamin e sua capacidade limitada de ler um mapa de ruas se transformam em seu amor por viagens e em sua maestria na arte de vagar sem rumo. O tempo não nos proporciona muitos desvios: ele nos empurra adiante, nos sopra através do túnel estreito do presente rumo ao futuro. Mas o espaço é amplo, fervilhante de possibilidades, posições, interseções, passagens, desvios, curvas de 180 graus, becos sem saída, ruas de mão única. Possibilidades demais, de fato. Como o temperamento saturnino é vagaroso, propenso à indecisão, às vezes é preciso cortar caminho com um golpe de faca. Às vezes, acabamos por voltar a faca contra nós mesmos."
Walter Benjamin fazia caminhadas que tinham como objetivo se perder para observar, explorar e criar mapas imaginários, e como ele mesmo dizia, aprender a se perder. Assim como outros saturninos, encontrava conforto na solidão, não sabia como lidar com o sentimento dos outros e nem o que fazer ou como agir a respeito de tantos relacionamentos, pois o melancólico acreditava não saber como enfrentar e lidar com a complexidade do amor e das relações. Benjamin tinha atração pelo secreto e fascinação em descobrir o que ninguém foi capaz de encontrar antes; também decifrava enigmas e criava pseudônimos.
Nascer sob o signo de Saturno faz com que a pessoa pareça estar sempre perdida em seu próprio universo, com suas próprias regras e parecer estar em um constante delírio, vivendo em um mundo particular, onde tudo faz sentido muitas vezes apenas para ele. O próprio Walter Benjamin se considerava uma alma saturnina e enxergava esse elemento em escritores que tanto admirou e sobre os quais também brilhantemente escreveu sobre, como em seus ensaios sobre o livro As Afinidades Eletivas, de Goethe.
A intensidade com que alguém com a personalidade saturnina elabora seus pensamentos e suas teorias pode ser exaustiva e o desenvolvimento de ideias é tão fascinante quanto autodestrutivo. Como diz Sontag: "Nunca pode ser plenamente compreendido a menos que se entenda a que ponto se alicerçam numa teoria da melancolia".
"O passado só pode ser lido porque está morto. A história só pode ser compreendida porque está fetichizada em objetos físicos . Só podemos entrar num livro porque ele é um mundo. Para Benjamin, o livro era mais um espaço no qual caminhar sem rumo. Para a personalidade nascida sob o signo de Saturno, o verdadeiro impulso quando uma coisa está sendo examinada é o de baixar os olhos, olhar para o lado. Melhor ainda, baixar a cabeça para o caderno de anotações. Ou pôr a cabeça atrás da parede de um livro."
Olá, leitoras. Hoje temos por aqui a resenha do livro O Signo de Saturno da Susan Sontag, uma grande referencia na literatura fotografia, cinema e mídias. Eu já resenhei aqui uma de suas obras mais famosas, Sobre Fotografia, e quando esta edição de Sob o Signo de Saturno ficou disponível para solicitação eu não consegui não pedir para a editora.
Nesta coleção de ensaios a autora vai falar sobre um de seus autores favoritos, Walter Benjamin, além de cinema e teatro (principalmente cinema alemão e nazista). Eu não conhecia todas as pessoas e autores(as) citadas por ela nos ensaios, então em alguns momentos acho que a leitura foi ficando um pouco mais lenta para mim, mas ainda assim foi fácil compreender os contextos já que ela explica tudo de forma simples e direta e em alguns momentos utiliza até mesmo de citações. Claro que uma pesquisa mais profunda sobre alguns assuntos e personalidades precisam ser feitos para uma compreensão completa, mas se você não quiser não há problema.
Dois ensaios me chamaram mais a atenção. O primeiro, "Sobre Paul Goodman", onde ela inicia contando sobre a descoberta do falecimento dele uma semana depois e discorre o texto contando sobre sua relação um tanto quanto conturbada com o homem, ainda que ela seja uma grande leitora de seus textos. O que mais gostei é que mesmo tendo algumas ressalvas quanto a personalidade do filósofo ela ainda conseguia ler suas obras de uma forma critica e saudável. Mais incrível ainda a maestria com que ela escreve sobre uma pessoa, mesmo que não esteja escrevendo uma biografia. Isso acontece em todos os textos desse livro e tantas vezes eu sentia esse pézinho na biografia que a autora poderia ter (eu não sei dizer se ela escreveu alguma biografia, mas tenho certeza que se escreveu deve ter sido muito boa).
O segundo texto é "Fascismo Fascinante" que ela faz uma ótima análise sobre a obra de Leni Riefenstahl, atriz e cineasta alemã que consolidou sua carreira no cinema nazista alemão, aquele de propaganda, e depois passou a negar sua relação com o nazismo e o próprio Hitler. Essa análise é muito boa e interessante para ver como uma mulher participativa no nazismo "trabalhava" e sua forma tentar se desvincular do passado foi conseguindo enganar muita gente, mas ali estava Susan para expor todas as suas obras do passado e comprovar que elas eram patrocinadas pelo Partido Nazista Alemão e eram nada menos do que uma propaganda.
Se você gosta de pensadores midiáticos do século XX acredito que esses ensaios serão ótimos para estudos e até mesmo uso para teses e dissertações, já que Susan é uma grande referencia no assunto e destrincha esses assuntos de um jeito tão único. Cada vez que leio algo dela quero conhecer mais e mais sobre o assunto.