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Sempre quis ler Jeferson Tenório e nesse livro já podemos notar o poder de suas narrativas.
Através de alguns anos da vida de Estela, o autor busca tecer críticas às religiões, com ênfase na evangélica, e promover reflexões sobre a existência de Deus. No geral achei as discussões rasas e sem profundidade, esperava que alguns pontos fossem abordados com mais propriedade e realidade, e talvez essa superficialidade seja proposital, mas ainda assim, particularmente, não me agradou.
Jeferson Tenório vem se destacando na literatura contemporânea nacional há algum tempo, e com o livro O Avesso da Pele chegou a ganhar o prêmio Jabuti. Livro de grande importância que retrata o racismo no Brasil. E até este momento, foi minha melhor leitura do ano. Em Estela sem Deus não poderia ser diferente. É mais uma história profunda, repleta de camadas sobre diversos temas da nossa sociedade, tratados com sutileza e brutalidade, mas com muita verdade.
Estela é filha de Irene e foi abandonada pelo pai, e seu irmão é filho de outro pai. Vivendo de modo precário, as coisas pioram quando o pai de Augusto morre e eles são despejados de casa. Com apenas quinze dias eles precisam encontrar um novo lar.
“Pensar na morte me aprofundava, mas o medo me trazia de volta à superfície. E nessas horas eu achava que a natureza era violenta e injusta. Mas a vó Delfina dizia justamente o contrário, que era preciso pedir perdão à natureza, mesmo se não fôssemos culpadas; tínhamos sempre de pedir perdão aos bichos porque nós os comemos, perdão às árvores por derrubá-las, perdão ao mar por entrarmos nele.”
O maior sonho de Estela é ser filósofa um dia. Seus anseios sobre a vida, seu olhar para com as coisas deixam a narrativa de certa forma poética e filosófica, já que sendo em primeira pessoa, mergulhamos de forma intensa em sua personalidade, sua autoestima e em seus posicionamentos.
Estela e sua família mudam-se então para um local que muitos consideram perigoso, porém eram sua única alternativa. Lá, Irene volta a trabalhar como doméstica, mas seus filhos passam a notar o quanto a mãe vem se queixando de dores pelo serviço. É então que Irene passa a levar Estela e Augusto para ajudá-la nas atividades.
“A gente estudava pela manhã, e à tarde ela nos levava para as casas que quase sempre ficavam na zona sul da cidade. Íamos junto porque ela dizia que tinha medo de que o Augusto virasse um aviãozinho do tráfico, e eu, uma prostituta, mas a gente sabia que na verdade ela nos levava mesmo para ajudá-la na limpeza. Não sei dizer se ela nos levava também para nos ensinar algo sobre a vida; só sei que no início, confesso, eu achava uma grande chatice.”
Após um episódio chocante que acontece em sua nova casa, Irene decide mandar seus filhos para o Rio de Janeiro para ficarem com a madrinha de Estela. Lá eles poderiam ter um futuro diferente de sua mãe. Antes disso chegaram até se mudar para casa de uma amiga, mas também houve alguns problemas, e o Rio de Janeiro pareceu ser a melhor opção.
Acredito que a partir daqui tudo que eu falar seria spoiler, mas resumindo, ao chegarem no Rio a vida passou a ter novos rumos e consequências.
Estela é uma personagem única. Sua personalidade extremamente forte nos entregou uma protagonista em busca de si própria. Seus sonhos, seus medos, suas frustrações, conquistas, enfim, acompanhamos sua formação da infância a vida adulta.
Neste romance vemos mais uma vez o racismo estrutural bem como a dor de uma família marcada pela violência, a falta de oportunidades e como tudo influencia em seu papel no mundo. Fazendo-os se questionarem o tempo todo sobre suas vidas.
Um dos pontos pertinentes do livro é a religiosidade. Ao se mudarem pro Rio, sua madrinha os levava para a igreja evangélica, e por um tempo Estela se sentia bem, gostava muito quando o pastor falava de Deus, mas depois Estela acaba se decepcionando com algumas atitudes, e pouco tempo depois conhece a umbanda, o que a faz se questionar, por que ela sente uma ligação muito forte.
“Deus precisa ser educado por nós, Estela. Às vezes, tenho a impressão de que Deus não é profundo. Acho que foi por isso que ele ensinou Jesus a caminhar sobre as águas. Deus não sabe mergulhar.”
No livro ainda encontramos violência doméstica e abuso sexual, o que vale a pena saber para evitar gatilhos.
A escrita de Jeferson é superfluida, tendo uma narrativa forte por conta dos assuntos abordados, mas que mesmo assim conseguimos acompanhar a personagem em seu amadurecimento.
Simplesmente mais um livro incrível do autor, e como já falei na resenha de O Avesso da Pele, quero ler toda a obra dele!
"Às vezes, ao despertar, eu lamentava ter de regressar à realidade. Alguns sonhos são mais honestos que a vida."
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📖 A protagonista deste romance migra de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Entre as duas cidades, entre a infância e a adolescência pobres, acompanhamos a trajetória de Estela em meio a uma sequência de violências, faltas e desamparos a que ela, a mãe e o irmão são submetidos. Manifestando suas inquietações com a vida, as perguntas da jovem perscrutam seu mundo e as dores que carrega. Na relação ambígua com a família, nos embates entre religião e liberdade: a força da escrita de Jeferson Tenório surpreende mais uma vez nesta narrativa sobre crescer num país cruel e desigual.
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🗨️ Fiquei sem palavras ao terminar desse livro, tamanha a intensidade da leitura. A obra apresenta a trajetória de luta e coragem de uma adolescente negra que sonha em ser filósofa e encontrar o seu lugar no mundo. O texto de Tenório mostra um cenário triste de pobreza, machismo e racismo. Mas Estela é resiliente e vemos os sonhos de muitas jovens negras espelhados nela. A narrativa mostra as cicatrizes de uma sociedade injusta para muitos e faz um convite para reflexão e mudança, mesmo sabendo que o percurso para o futuro ideal é longo e repleto de obstáculos.
Por @varlene.santos
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📋 Ficha Técnica:
🔹Título: Estela sem Deus
🔹Autor: Jeferson Tenório
🔹Ano: 2022
🔹Editora: Companhia das Letras
🔹N° páginas: 184
🔹Avaliação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Estela sem Deus, de @jeferson.tenorio.9 , da @companhiadasletras
Jeferson Tenório que já me arrebatou com O Avesso da Pele, confirma sua sensibilidade ao contar a estória da jovem Estela.
Uma menina negra, franzina, pobre e tímida que sonha em ser filósofa.
Estela vive em Porto Alegre com sua mãe, Irene e seu irmão menor, Augusto.
O pai de Estela é ausente e o pai de Augusto morre no início da narrativa.
Sua mãe trabalha como faxineira e os produtos de limpeza estão acabando com suas mãos e, por este motivo, os filhos começam a acompanhar a mãe para ajudá-la nas limpezas.
Sem perspectivas de melhorar de saúde, morando de favor no minúsculo apartamento de uma amiga, sua mãe resolve mandar os filhos para o Rio de Janeiro, aos cuidados da madrinha, até que ela consiga se restabelecer.
Esta mudança vai apresentar para Estela uma nova realidade muito diferente, com idas frequentes à Igreja e o julgamento permanente da madrinha que acredita que todas as dificuldades porque sua família passa se devem a não terem Deus no coração.
Estela já se questionava sobre muitas coisas e a presença/ausência de Deus na sua vida lhe traz ainda mais motivos para refletir sobre quem ela é, quem quer ser e sobre o que é ou não é pecado.
O autor constrói uma personagem muito rica e cativante, sem descuidar das nuances dos "coadjuvantes", como a madrinha crente, a mãe sonhadora, os primeiros namorados...
Estela não conta com sua família e não conta com Deus.
Conta apenas consigo mesma e com sua determinação em busca de auto conhecimento e da construção de sua força.
Um Livraço, Forte e Doce, ao mesmo tempo.
Super recomendo.
'Estela Sem Deus' é um romance de formação que conta a história de Estela, uma garota negra que, na infância migra de Porto Alegre para o Rio de Janeiro tentando fugir das várias violências a que foi submetida desde o nascimento e companhamos suas inquietações e busca pela liberdade, principalmente com relação ao próprio corpo e sexualidade ao longo da vida.
Esse livro também aborda assuntos como abandono parental, machismo e religiosidade (principalmente a religião evangélica) e o quanto ela é usada de forma a manipular seus seguidores a acreditarem que tudo é pecado e a normalizarem coisas muito graves como os abusos e violências pelas quais as mulheres são submetidas.
A intolerância religiosa também é abordada através da Umbanda, religião de matriz africana, mas durante a leitura senti falta de um aprofundamento maior sobre o tema, achei que os trechos onde ele é inserido foram muito breves.
A maternidade indesejada é um dos temas principais aqui, e apesar de essa história ter sido escrita por um homem, ela foi abordada de forma extremamente real, sensível e cuidadosa.
Seu desfecho... senti que ele foi exatamente como tinha que ser, mas eu particularmente não queria que o livro acabasse, gostaria de continuar acompanhando a vida da Estela por longas e longas páginas.
Adorei essa leitura; como sempre o Jeferson foi cirúrgico ao abordar temas tão atuais e necessários, com uma escrita profunda e direta; sua forma de narrar é imersiva, viciante, não dá vontade de desgrudar da leitura nem por um segundo, tanto é que a "engoli" em apenas 8 horas.
Recomendo muito essa leitura, mas ela possui muitos gatilhos, então muito cuidado.