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Nossa, esse é o tipo de livro que concluímos, queremos que todos leiam e só, pois não tem como explicar a totalidade de como nos sentimos ao ler algo tão profundo e emocionante. João Silvério Trevisan quase me faz desidratar do início ao fim, impossível não sentir cada palavra e refletir tanto enquanto lemos.
Primeiro livro que leio do autor, me ganhou por completo.
Quem acompanha as resenhas feitas pelo site sabe que não sinto o menor prazer em falar que não gostei de uma leitura – não gosto da ideia de ter lido um livro e ter sentido que ele não “me ganhou”. Já quando leio um livro que me prende, sinto verdadeira felicidade de resenhá-lo e indicá-los para todos vocês – acho que vocês já me viram panfletando até a exaustão determinados titulos, e alguns nem sequer fizeram sucesso aqui no Brasil. Mas, além dessas duas opções, temos a terceira: quando leio algo que me pega de tal forma que não consigo sequer escrever com facilidade sobre ou indicar. E é aqui que “Meu irmão, eu mesmo” se encaixa.
Não há elogios suficiente para que eu possa explicar aqui o quanto esse livro foi direto em meu coração por todos motivos que escreverei, mas, mais do que isso, pela sinceridade e sensibilidade e, principalmente, pelo core de sua estrutura: o relacionamento entre dois irmãos que eram grandes amigos. A cada palavra e passagem do livro, vemos o autor desnudando sua alma ao revelar seu relacionamento com seu irmão e a forma como a doença pode entrar na vida de ambos, deixando marcas tão profundas em suas personalidades. Não há realmente como explicar como tudo neste livro é capaz de tocar o leitor.
O livro passa pelas memórias de infância dos 4 irmãos: João, Lurdinha, Cláudio e Antônio, no interior de São Paulo, seguindo pela vida de Trevisan até seu diagnostico de HIV positivo em 1992. Nesta época, era claro que assustou ao homem de apenas 48 anos, que escutar um diagnostico dessa envergadura significava quase um atestado de que sua vida não iria ser longa. Entramos um pouco na mente do autor ao nos depararmos neste cenário e conhecermos um pouco mais sobre o cenário de uma pandemia que trazia muito pavor, principalmente pela falta de informações verdadeiras que deveriam ser repassadas com maturidade e seriedade. Entendemos o momento do autor no meio daquele turbilhão de sentimentos e podemos acompanhar também a importância que o SUS se faz na vida de pessoas que lidam com doenças crônicas.
No meio de ainda procurar se firmar em seus pés depois do diagnostico, Trevisan recebeu a notícia de que seu irmão mais próximo, Claúdio, estava com um câncer linfático. Como em muitos casos, a necessidade de uma tentativa de se retirar cirurgicamente a doença se fez urgente, e é assim que Trevisan vê seu irmão, sempre tão ativo e dono de ideias que mereciam ser reverenciadas – como, por exemplo, divisão de lucros entre os funcionários de sua livraria em Jundiai, a Dom Quixote – foi se tornando uma sombra de si mesmo afetado pela doença. Quem já conviveu com alguém com a doença entende.
Enfrentando essa tempestade tão forte, Trevisan oferece a seu irmão a ideia de escreverem juntos o que estavam passando, mas o irmão, apesar de a princípio aceitar, não consegue realmente se entregar aquela ideia. Trevisan começou então a fazer diversas anotações e escreveu um poema sobre o câncer que seu irmão estava enfrentando – e que faz toda uma família o enfrentar também. Este poema, por si só, já seria merecedor de todos elogios possíveis que possa imaginar, mas o livro não se encerra quando o autor o lê no natal que passou junto com toda sua família em 1994, na frente de sua cunhada Ziza, esposa de Cláudio.
Com a melhora de Cláudio em seu tratamento, a vida parece começa a voltar ao trilhos com um Trevisan envolvido no cenário cultural, mas o torpor parece voltar com muito mais força quando o diagnostico se metástase chega, fazendo os outros 3 irmãos pensarem no que fariam e como contaria ao irmão enfermo e a cunhada. Não havia mais o que combater.
Se você, que está me lendo, está pensando que o livro é somente sobre dor e a forma como perdemos as pessoas que amamos, quero deixar claro que não é: o coração deste livro é o amor. O amor vivo que Trevisan sentia por seu irmão, a construção do relacionamento de ambos, desde a infância, até a desconstrução deste mesmo relacionamento, consumido por uma doença que nada fora capaz de parar. Essa é parte da vida: a dor. Não temos como fugir: entendemos que a dor faz parte da existência, exatamente como o amor. Nascemos sabendo que um dia morreremos, mas também amaremos, seremos felizes, nos decepcionaremos, choraremos – tudo em um ciclo que se repete infinitivamente. E assim como Cláudio estava deixando Trevisan, eles se amaram, profundamente, da forma mais real que há. E é aqui que o livro se encontra, fincado sobre esta pedra.
Com cartas não enviadas, anotações, lembranças, tudo junto, somos jogados a esta verdadeira carta de amor a alguém que já deixou este plano para continuar vivendo em seu irmão, sua esposa e suas filhas. Parte de quem somos ficará aqui, mesmo depois de muitos e muitos anos, e Cláudio faz parte da vida de Trevisan, que tão bondosamente compartilhou conosco sua história de amor em um livro que é inesquecível.
Em um encontro com o autor João Silvério Trevisan proporcionado pela Editora Companhia das Letras (nunca vou ser capaz de agradecer o suficiente) ouvi dele próprio que o livro não é um livro de memórias ou uma autobiografia, e sim uma romantização de passagens de sua vida, mas, ainda assim, são passagens reais. Trevisan, para quem ainda não ligou o nome a obra, foi um dos fundadores do grupo Somos, que atuava na defesa dos direitos homossexuais e que se encerrou há anos – mas o autor também escreve peças, é jornalista e ainda ficou alguns anos exilados durante a Ditadura Militar. Escutei tudo que ele falou com uma atenção que somente me levou as lágrimas quando pensei em minhas próprias experiências lendo o livro.
Durante o livro, Trevisan fala diversas vezes sobre uma “Confraria da Dor”, e, a medida que vamos lendo, entendemos que todos nós fazemos parte dela: todos nós já sentimos dor em algum momento. A dor nos une, de certa forma, e nos prova algo que às vezes precisamos nos lembrar: Somos todos humanos. Vamos amar, sofrer e viver. Ainda bem.
Após ler Pai, Pai, do mesmo autor, estava ansioso para outra investida nas escritas de João, sempre tão dilacerante e íntima. Este livro, Meu irmão, eu mesmo, é igualmente desconcertante. Como o título deixa bem claro, dessa vez ele traz à tona fulgurações acerca do irmão e da relação entre eles. Vida e morte se entrelaçam numa escrita sensível, mas também direta e cortante. Com certeza, um trabalho magistral, cuja leitura vale à pena. É para ler lido devagar, porque carrega emoções intensas.