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Gambé é um jovem negro, que no início do Séc XX integrava o Batalhão de Caçadores Tobias de Aguiar, que mais se parecia com um bando de cangaceiros, tal o número de atrocidades que cometiam pelo sertão de São Paulo, supostamente caçando bandidos.
Comandada pelo cruel Tenente Galinha, que se achava acima da lei (ele dizia que ERA a lei), a tropa impunha o terror por onde passava, violentando mulheres, torturando e executando qualquer um que desagradasse, fosse ou não, bandido.
Gambé era um menino quando se juntou à tropa e aos 34 anos já não tinha ilusões sobre a seriedade de seu batalhão e estava, literalmente, quebrado, pois após uma explosão havia perdido um braço, um olho e uma orelha.
Ele ainda permanecia na tropa porque sabia escrever e o Tenente precisava de seus serviços.
Em sua jornada, nos deparamos com vários personagens interessantes, como Benedita, a esposa do Tenente Galinha e única pessoa que conseguia intimidá-lo.
Gambé acaba se afeiçoando a Cuiabano, um jovem colega de batalhão, gay, perseguido por Galinha e ao pequeno Caçula, menino esperto e tido como santo, que acaba sendo "adotado" por ele.
No decorrer da narrativa vamos, ainda, descobrir um segredo de Cuiabano.
Gambé vai tentar se desvincular deste meio e ter uma vida longe da violência, buscando alguma redenção.
É tudo muito injusto, violento e assustador ver como o Estado pós abolição, não só fazia vista grossa aos desmandos de sua tropa, como incentivava esta violência com a desculpa de que precisava combater a criminalidade.
Parece familiar, né?
Hoje, ainda, a polícia invade casas e atira primeiro para perguntar depois, enquanto centenas de inocentes são feitos de vítimas.
Se você não percebeu, este Batalhão de Caçadores deu origem à ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), tão nossa conhecida.
O que parece ficção ao estilo faroeste, foi baseado em farta documentação, relatos e escritos, incluindo de Gambé e Galinha.
Um livro tão bom quanto necessário.
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Gambé
Fred Di Giacomo Rocha
200 p
Companhia das Letras, 2023
Para começar esse livro é preciso ter mente aberta, não se importar com que fatos ali são verídicos ou não, os espaços na história foram muito bem preenchidos. Não se trata do que é certo ou errado. É sobre a vida jorrando pelos buracos, trilhas e vielas que ela encontra.
Gambé é um personagem múltiplo que muito antes do acidente ja vivia uma ruptura interna.
Se não se prender a julgamentos e tentativas de respostas, vai encontrar uma prosa deliciosa e o tempo vai passar sem que sinta. Gostei muito.