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O trabalho que Luciany realizou ao construir esse livro merece todo reconhecimento do mundo. Uma obra profunda que vai lá no interior da Bahia e protagoniza mulheres pretas, descendentes de escravizados que fugiram para assumir o poder sobre a própria vida. A autora não nos poupa de momentos de violência, dor, crimes e tragédias, a obra realmente é intensa a cada página.
Um livro que desperta sentimentos fortes no leitor, provocando reflexões extremamente importantes.
Mata doce é uma comunidade feita por mulheres e que acolhe mulheres. Nesse pequeno vilarejo rural do interior da Bahia, conhecemos a história de luta e perdas de Maria Teresa. Muitos acontecimentos trágicos acontecem, mas também há muito amor. A história é narrada como memórias e, como acontece quando nos lembramos, ela não segue um fluxo linear, de forma que passado e presente acabam se entrelaçando na narrativa. Em alguns pontos isso pode dificultar a leitura, mas é um recurso importante para a narração da obra, como a própria autora pontua no texto: “A iluminação do amanhecer e do cair da tarde desenhava cenários por onde o tempo deslizava em espiral. Passado, presente e futuro nunca deixavam de se abeirar. Em Mata Doce o tempo não permitia distanciamentos”
A resenha abaixo contém spoiler.
Creio que seja interessante ter um aviso de gatilho para crueldade animal. Quem for sensível a esse gatilho, alerto que há algumas cenas fortes nesse sentido.
Não darei sinopse do livro, só minhas impressões.
Achei o livro muito bom e com uma escrita muito gostosa, mas achei um pouco cansativo a partir da metade.
A história começou envolvente e todos os personagens têm algo a nos contar e isso é realmente ótimo. E há muitos personagens: Mariinha, Tuninha, Lai, Zezito, Venâncio, Mané da Gaita, a cachorra Chula, os gêmeos Cícero e Antônio, Josefa Fontes, os irmãos Thadeu e Angélica, Toni de Maximiliana, Luzia Fontes, o poeta Manoel Quirino (referência ao poeta abolicionista), o péssimo Gerônimo Amâncio, a juíza dos Sales e suas filhas, entre outros e todos eles terão uma parte de sua história contada.
A narrativa vai e vem, mas não há muitas marcações dessas idas e vindas e percebe-se a intencionalidade de mostrar como as dores coloniais seguem ferindo quem foi expropriado de seus direitos. A significação da máquina de escrever, onde Maria Teresa escreve cartas que não serão enviadas, mas têm a função de dá voz e registro a quem nunca teve direito de contar suas histórias e deixar registro para a posteridade. A presença da religiosidade de matriz africana
Minhas personagens favoritas foram as mães de Maria Teresa: Mariinha e Tuninha. O amor e companheirismo das duas é muito bonito. Eu gostaria de ter sabido mais das duas, especialmente do início da vida delas e do encontro de ambas.
Entendemos que a narrativa vai passar por quase todos os personagens e sempre retornar à história de Maria Teresa/Filinha Mata Boi. Ela é usada como fio condutor da narrativa, mas chegou num ponto que, para mim, parecia estar apenas dando voltas sem chegar a lugar nenhum para mantê-la como trama central. Depois da tragédia e de ela começar a matar bois, parece que mais nada de muito grandioso ocorre com ela, o que foi uma pena para uma vida tão longa. Filinha vive até os 93 anos e a tragédia pareceu definir toda a vida dela (o que é mais triste ainda e porque é verossímil). Como a gente já entende que ela vai viver mesmo o resto dessa existência toda na solidão (há referência a isso antes mesmo de Filinha ser entregue às mães, quando Mariinha é avisada de que a menina que lhes seria entregue e é filha de Yemanjá Sabá, e as “filhas de Yemanjá Sabá carregavam a sorte da reserva e da solidão”), as demais narrativas acabam por ficar mais interessantes que a de Filinha e depois da metade do livro, sempre que retornava a ela eu achava um pouco cansativo, porque parecia que ela não vivia mais existência nenhuma e eu queria saber mais dos outros.
O livro é bastante rico. Há várias referências importantes a personalidades pretas histórias do Brasil que comumente são apagadas como: a citação do primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil (e uma mulher preta!) Úrsula, da escritora maranhense Maria Firmino dos Reis, o intelectual e escritor abolicionista baiano Manoel Querino (que nomeia um personagem). A capa LINDÍSSIMA é da artista afro-cubana Harmonia Rosales, que recria obras clássicas colocando como personagens negros como protagonista, há ainda uma referência a fotógrafa maliana Fatoumata Diabaté.
Destaco que é um romance que dá protagonismo às mulheres pretas e é bonito vê-las transformar o ambiente, acolher umas às outras e inaugurar tradições. É uma história de perdas, luto, dor, injustiças, mas principalmente de resistência, acolhimento, afeto e força. Acho que a característica maior que destaco é que o livro continua crescendo depois da leitura. Sempre que penso sobre ele, rememoro e ressignifico algo.
Recomendo muito a leitura!
Um livro que fala sobre as agruras de uma mulher que viveu toda sua vida em um vilarejo. Uma vida com amor, tragédia, luta, sofrimento, solidão – poderia ser em qualquer lugar do mundo que essa premissa já iria me interessar, mas como se não bastasse, “Mata Doce” se passa no interior da minha Bahia. Um livro com mulheres fortes que fogem de relacionamentos abusivos, mulheres fortes que criam comunidades, mulheres fortes que precisam ser fortes por elas, suas filhas, suas netas. Mulheres fortes que são donas de casa e precisam começar a sustentar suas famílias cansadas de serem espancadas por seus companheiros. Mulheres fortes em uma narrativa forte sobre como somos guiadas por nossos sentimentos e lutando para fazer as gerações que vem depois de nós terem um futuro melhor.
Preciso assinalar de cara um fato da narrativa que foi essencial para a leitura ser tão envolvente e rápida: a história de Maria Tereza, também conhecida como Filinha, é contada de forma temporal não linear e também em terceira e em primeira pessoa. No começo da trama, a vemos já bastante idosa, com mais de 90 anos, na casa na qual cresceu com suas duas mães, a professora Mariinha e Tuninha, uma travesti, olhando a roseira branca. A casa, de frente a um lajedo, é local onde foi tão feliz e onde as mais tragédias de sua vida também aconteceram, começando a pensar em seu passado. Temos, a princípio, a narrativa em terceira pessoa, mas o livro, dividido em 5 partes, traz mais a frente os pensamentos e acontecimentos através dos olhos da personagem – e também de outros, porque a gama de personagens bem construídos e abundantes aqui é imensa. O leitor quer conhecer e saber mais sobre aquele povoado e aquelas pessoas. Ainda aponto para as partes em formato de cartas datilografada que há na narrativa: Maria Teresa se formou e chegou a trabalhar datilografando, antes de sentir a dor que a mudará – e sua profissão também.
Jovem que foi criada por mães que tentaram dar um futuro mais promissor a filha, Filinha estudou em Santa Stella, cidade próxima do vilarejo que mora e leva o nome do livro. As mães da jovem tentaram tanto dar um futuro melhor a filha que até mesmo custearam seu estudo em datilografia – antes dos computadores, existiam as máquinas de datilografia e existiam cursos para aprender a datilografar, o equivalente a digitar. A jovem tentava realmente suprir as expectativas da mãe e de seu noivo, Zezito, único amor de sua vida. Com o casamento marcado e sendo a primeira de sua família a se casar em uma cerimônia assim, tudo parece acontecer na casa destas mulheres, que vai, pouco a pouco, tornando-se uma personagem também.
Mariinha cresceu em Mata Doce também, mas porque Eustáquia da Vazante, sua avó, foi uma das fundadoras do lugar, que se tornou um refúgio para diversas mulheres e pessoas pretas. Por gerações foi assim, até a chegada de um homem branco: Gerônimo Amâncio. Se autointitulando e chamado por vários de “Coronel”, o homem deseja a terra de João Sena, homem casado com Luzia de Sales. A briga escala da pior forma possível e ápos um ato de violência terrível, o casal deixa suas terras para trás, indo morar em Santa Stella, enquanto o homem se apossa das terras e começa a impedir que a população tenha acesso ao Rio Airá.
Claro que a truculência de Gerônimo vai escalando, prejudicando muito quem precisam do rio para sua sobrevivência. Uma disputa nascida de um ato de violência obviamente está destinada a terminar em tragédia, e é isso que acontece. Sem entregar nada que acontece, só preciso deixar claro (assim como a sinopse) que as atitudes do homem provocam uma forte mudança em Maria Teresa, causando até mesmo que ela mude como deseja que as pessoas a chamem por causa de uma nova profissão adotada. Acredito que uma dor desse tamanho causa sempre um buraco em nossos corações e temos de aprender a conviver com ele – ou a sobreviver. A forma como toda essa intriga e trama se desenrola na trama é quase lirica, tom que permeia por todo livro, que é, sem sombras de dúvidas, muito bem construído em apontar momentos violentos com um dom necessário para não se tornar de forma a sufocar quem lê.
Como já mencionei, há uma gama de personagens coadjuvantes que queremos saber mais sobre e ainda bem que vamos descobrindo sobre. Maria Teresa foi adotada por Mariinha e Tuninha da forma antiga: simplesmente registrada pela professora porque Tuninha não tinha nenhum documento, já como não existia com seu nome social e sua mudança de gênero. O relacionamento das duas mulheres é sólido e repleto de amor, e as duas fizeram da filha uma mulher boa e protegida do mal, coisa que era muito importante para as duas – afinal, elas sabiam a maldade que há aí fora. Temos ainda a madrinha de Maria Teresa, Lai, mulher que tem um grande papel na vida da protagonista e um passado sofrido e cruel, mas que ainda encontra força para, de alguma forma, continuar. Luiza, mãe de Zezito, e tida por muitos como “juíza”, é outro exemplo de mulher forte e que é capaz de sobreviver às maiores dores que podemos enfrentar.
A autora, Luciany Aparecida, assina um romance com seu nome pela primeira vez. Tendo escrito ainda como Ruth Ducaso o livro “Contos ordinários de melancolia” e outros títulos e ainda poemas, Luciany nasceu aqui na Bahia e acredito que se inspirou em seu local de nascimento, o Vale do Jiquiriçá, para inspirar e compor Mata Doce. Definitivamente ficarei de olho em tudo que ela escrever porque a forma como ela conseguiu transportar o leitor para dentro de sua narrativa foi única. Ainda quero destacar a capa desse livro que é, sem sombras de dúvidas, uma das capas mais lindas que vi em toda minha vida: Ale Kalko se superou em seu trabalho nesta capa que beira a perfeição.
Mas não há a menor chance de encerrar esta resenha sem mencionar a religião que dita muito neste livro. Maria Teresa tem sonhos com suas mães em momentos que o futuro lhe é mostrado, assim como a própria Mariinha foi capaz de prever uma tragédia que aconteceria na vida de Gerônimo. Desde sempre Mariinha e Tuninha sabiam que Maria Teresa era filha de Yemanjá Sabá, a mais velha de todas Yemanjás, e que a jovem carregava a sorte da reserva e da solidão. Aproveito para confessar que o tom místico foi o ponto alto da narrativa para mim. Não há uma explicação ou racionalização: somente há uma fé e poderes acima de nós, que nos guiam. É lindo de ler sobre. “Mata Doce” é um clássico da nova literatura nacional e afirmo isso sem medo algum. Gentil e denso, repleto de sentimentos e tragédias, flores e estrelas, amor e beleza no meio de formas que se levantam com poeira em uma estrada: a vida como ela é no interior da Bahia, em um lugar que habitou o sofrimento e cresceu forte. Uma leitura intensa. E doce.
Em seu romance de estreia, Luciany Aparecida nos traz a estória de Mata Doce, vilarejo do interior da Bahia, narrada de forma extremamente lirica e tocante.
O casarão em frente ao lajedo de pedra, rodeado pelo roseiral, é local de referência e vivência de mulheres fortes e espiritualidade elevadas.
A narrativa se alterna entre presente e passado, e no início as moradoras do lajedo, a professora Mariinha e sua mulher Tuninha vivem com sua filha adotiva, Maria Teresa. As personagens são tão complexas, tão lindamente construídas, que é necessário muito desapego para se despedir das mesmas quando o livro termina.
Maria Teresa é noiva de Zezito, rapaz branco e único filho homem da juíza Luzia. Já no início do livro, a autora nos mostra o abuso de poder e os conflitos de terra, a miséria e a ganância.
Um dia antes do casamento, Zezito é assassinado pelo coronel Gerônimo Amâncio, dono de terras e criador de bois. Maria Teresa, na última prova do vestido de noiva, ampara Zezito, manchando o lindo vestido com o sangue do seu bem querer.
A protagonista agora se torna Filinha Mata Boi, ressignifica sua vida e carrega todo o sangue vertido após a morte do noivo. Como a narrativa segue intercalando momentos passados, vamos descobrindo fatos muitas vezes perturbadores em relação à todos os personagens. E sempre o sangue continua jorrando, a mancha do vestido de noiva parece que nunca vai ser devidamente limpa.
A estória também alterna o relato em terceira pessoa e a narrativa de Filinha Mata Boi escrevendo em primeira pessoa quando já idosa, utilizando a antiga máquina de escrever dada a ela por Zezito ao concluir seu curso de datilografia.
Por mais que se diga em relação a esse romance, ainda faltarão fatos e personagens ( é injusto não mencionar a cadelinha Chula e a madrinha Lay). A narrativa é tão costurada em torno de si mesma que é difícil mencionar o principal sem contar o livro todo. Com certeza uma obra que deve ser lida e relida!
Uma trama que ze passa em uma pequena cidade rural. O enfoque é sobre uma família de mulheres e nossa maior "fonte de recordações" é Maria Teresa - também conhecida como Filhinha ou Mata Boi.
Acabei o livro agorinha e não consigo conter as lágrimas.. É uma história doída, tocante e que causou um bocado de reflexões sobre minha própria vida.
Mata Doce é o cenário desse livro, e traz consigo a herança de ser um “lugar de acolhimento e amparo para mulheres desvalidas”. Fundada por Eustáquia da Vazante, o povoado começou acolhendo quem escapava para a liberdade, assim como ela.
Mariinha (neta de Eustáquia) era casada com Tuninha e juntas adotaram Maria Teresa, nossa protagonista. Viviam em um casarão rodeado de rosas brancas e com vistas para o lajedo de pedra. Pelo casarão diariamente passavam diversos personagens que compunham essa rede de amor: vaqueiro, ferreiro, ex-prostitutas e vendedores de quebra-queixo (doce típico baiano) entre outros. Mas também o Coronel Gerônimo Amâncio, homem branco, herdeiro de terras e dono de cabeças de gado.
Noiva de Zezito, Maria Teresa está ansiosa pelo grande dia, e na véspera do casamento, durante a última prova do seu vestido, uma tragédia acontece. Sua vida muda para sempre.
A linguagem de Luciany é lírica e envolvente, nos deixando apaixonados pela história a cada virar de página. As estruturas das frases, o ritmo, a escolha de palavras tudo conversa com a obra. Sua sensibilidade transborda, e por diversos momentos me emocionei com tudo o que aconteceu nesse pequeno vilarejo com essas pessoas que ficaram tão próximas a mim, que foi quase impossível me despedir dessa história.
A narração intercalada entre terceira e primeira pessoa deu um toque especial à narrativa, nos permitindo acompanhar o desenvolvimento desses personagens tão únicos.
Os personagens são multifacetados e realistas, tinham diversas camadas emocionais, trazendo verossimilhança tanto para suas ações como para as reações.
Além disso, Luciany não deixa de trazer para o leitor uma temática tão importante: a seca no nordeste e o poder que o domínio das terras dá aos homens. Com isso elas nos deixa uma mensagem sólida das consequências de certas atitudes.
Seu romance de estreia me arrebatou e ainda falarei muito desse livro pela frente. Só leiam!!