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Queria dizer que “Cupim” me surpreendeu, mas seria uma mentira porque assim que li a sinopse, pude imaginar o que viria com a trama. E não me decepcionei em absolutamente nada. Um dos livros mais duros, difíceis e satisfatórios que li nos últimos anos (e olha que li “Sociedade da Neve” há menos de 6 meses), o livro tem o tamanho de um conto maior (também chamado de novela) e que o leitor pode ler em algumas horas e apesar de alguns problemas que tive com a narrativa, é o tipo de livro que vou usar como referência por muitos anos.

Não havia tido contato com a escrita da autora Layla Martínez, mas já havia lido sobre e visto diversas menções a seu trabalho. Espanhola, lançou “Cupim” em seu idioma original em 2021 e desde então ganhou holofotes sobre seu trabalho. Enfim sendo publicado no Brasil agora, obviamente corri para ler este livro tão bem pontuado sobre ficção especulativa com toques de terror, menções a santos e sobrenatural. Mas como explicar essa trama, que é tida como um terror feminista?

Vou começar dizendo que você precisa prestar bastante atenção na trama a princípio. As duas protagonistas, a Avó e a Neta respectivamente, não tem seus nomes revelados durante a trama, mas as duas têm ponto de vistas: a Neta abre a narrativa, ficando com os capítulos ímpares, enquanto sua Avó fica com os capítulos de números pares. As vozes das personagens são tão distintas que até mesmo a escrita transmite isso: a escrita da Avó é mais cuidadosa, sem erros gramaticais, enquanto a Neta, talvez pelo que esteja vivendo, talvez pela juventude, pensa tudo de uma vez e, por isso, sem vírgulas, os pensamentos turbulentos borbulhando e levando o leitor a quase sufocar com eles.

A trama é sobre a casa da família. Na verdade, não: a casa é o cenário principal, com uma presença tão forte que é uma personagem ativa na trama. A história é sobre uma família e 4 gerações de mulheres desta mesma família: a Avó e a Neta, e a mãe da Avó e a mãe da Neta, todas em linha descendentes diretas. E é pela mãe da Avó que a trama começa, mostrando como a casa entrou na vida daquelas mulheres que viriam a viver, nascer e morrer ali.

No mundo no qual vivemos, é notório que as pessoas pobres têm menos oportunidades, precisando trabalhar dez vezes mais duro para conseguirem ascender financeiramente. Já o pai da Avó decide que não quer continuar sendo pobre assim o resto da vida. Para conseguir melhorar de vida, ele decide usar seu charme e enganar mulheres da pior forma possível – não vou entrar em detalhes para não estragar a trama, mas provavelmente a realidade do livro é pior do a que você está imaginando. É com o dinheiro ganho de forma tão errada que ele se casa com a mãe da Avó e dá a ela de presente um sobrado com móveis de madeira. E o que parece um presente é, na verdade, uma prisão. Ou uma maldição, dependendo de como você veja.

O casamento está fadado ao insucesso desde seu começo e crédito isso a forma como a esposa aceitou aquele homem abjeto e violento – como a própria Avó pensa certa altura, talvez motivada pela ideia de que mudaria o homem, mas alguém que usa os outros e constrói sua vida em cima do sofrimento alheio não merece receber o benefício da dúvida. Então a casa começa a “falar” com a esposa, suas sombras e vozes participando ativamente em tudo que acontece com o marido, suas paredes descolando rancor e infelicidade, o piso exalando sofrimento. Parece só haver um único desfecho possível para aquela geração.

Então temos a vida da Avó e a forma como ela e sua mãe começaram a se ressentir uma da outra, cada uma com seus motivos. Nem mesmo o casamento com Pedro, homem bom, foi capaz de aproximar emocionalmente a Avó de sua mãe – nem mesmo o nascimento da mãe da Neta. A mãe da neta, tão bonita e altiva, uma terceira geração de uma família composta por mulheres, presa a uma casa e uma vida que não queria, parece também está fadada a tragédia. E talvez isso aconteça. Ou não.

E então chegamos na Neta, a quarta e última geração de nossa história. Jovem que acreditava poder fugir daquela vida, se pega trabalhando pra família Jarabo, a mesma que a mãe de sua Avó se recusava a trabalhar para tantos anos atrás, mas sua Avó tem uma longa disputa com eles, mesmo tendo trabalhado na casa da família. E é lá o cenário do crime que a Neta termina sendo acusada e que abre a trama logo em seu início, sem sabermos o que realmente aconteceu, mas entendendo que não há narradores confiáveis nesta trama.

Não tenho como falar mais da trama sem entregar pontos chaves, mas preciso também apontar o quão maravilhosa foi esta leitura porque me forçou pesquisar sobre a história da Espanha, cenário da trama. É sempre bom quando um livro nos instigam a tal, agregando mais sobre uma trama que, apesar de não verídica, em parte acontece aos montes, todos os dias, em todo mundo, com sua violência escancarada.

“Cupim” é um livro intenso e com toques de terror, dependendo do que você acredita ser terror. Eu, particularmente, não vi terror como um ponto do livro porque tenho outra visão das Sombras e vozes que a mãe da Avó, Avó, mãe da Neta e a própria Neta escutam e vêem, a materialização de tantos anos de mágoa, rancor, ressentimentos, ódio, decepções materializadas – ou você pode acreditar em Santos e intuições e benzedeiras e pragas. Tudo depende de quem vê e como se vê este mundo. E se você se questiona porque o título que este livro recebeu, é porque o Cupim é um inseto que é capaz de comer madeira e uma diversidade imensa de material orgânico. Roendo. Mastigando. Deteriorando. Até mesmo uma alma.

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Sabe quando você termina um livro e fica "não sei o que pensar, só sentir"? Foi exatamente assim minha leitura de Cupim, livro extremamente poderoso na ambientação de horror, poderoso nas críticas, poderoso na construção das personagens e suas relações!

O livro conta a história de uma família, de uma casa construída a partir de dor e abuso, e de mulheres que cresceram nela cercadas de sombras, fantasmas e ódio.

A narrativa é construída a partir do ponto de vista da neta e avó que moram nessa casa, elas começam contando o presente e vão retrocedendo, nos mostrando aos poucos a história da família. São narradoras pouco confiáveis que escondem segredos e querem desmascarar uma à outra.

Eu entendi como proposta do livro demonstrar através desse horror fantástico as consequências do sistema patriarcal, machista e colonizador da sociedade, mostra mulheres sofrendo com a pobreza, a falta de emprego, o desprezo da sociedade, os maus tratos pelos homens e como é impossível ficar ilesa a partir disso, as sombras e o ódio crescem, e vamos descobrir o que as mulheres dessa família fazem quando o ódio as consome.

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Faz uns meses que o horror tem chamado cada vez mais minha atenção. Acho um gênero muito eficaz para fazer críticas sociais enquanto mostra os horrores que decorrem da situação. Com “Cupim” não é diferente: aqui temos uma história narrada pela avó e a neta, que vivem numa casa assombrada da qual não podem fugir e convivem com espíritos, vozes, vizinhos mentirosos, santos católicos e mortos por toda parte. À medida que as conhecemos e conhecemos suas antepassadas — bisavó e mãe —, lemos sobre como a violência de gênero e classe afeta essa família há gerações.

A vingança é um tema forte no livro, algo aconteceu e as protagonistas parecem ter sua parcela de responsabilidade. Enquanto uma delas mente para o leitor e a outra fala a verdade (será?), entramos em contato com essas mulheres para quem a virtude moral não importa. Elas já se f*deram muito na vida e continuam sendo humilhadas, então farão o que está no alcance delas para ter um gostinho da maldade a que geralmente são vítimas.

A escrita da autora é daquelas que marca de cara. Fiquei impressionado. A cadência, a raiva que escorre pelo texto, as escolhas muito específicas de palavras… tudo ajuda para criar a atmosfera perfeita para a história.

Outro ponto positivo é a coragem de ir com tudo no horror, trazendo o catolicismo para a conversa e criando imagens mentais impressionantes — como os gigantes louva-a-deuses que vigiam a casa com seus múltiplos olhos.

“Cupim” perde pontos comigo por algumas escolhas de estilo que me deixaram perdido durante a leitura, o que quebrou o ritmo algumas vezes, bem como pelo tamanho: essa história teria sido ainda melhor de acompanhar se fosse um pouco mais longa.

Uma boa pedida!

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Um terror que envolve bastante ressentimento e vingança, com uma crítica social interessante.
A autora consegue criar uma atmosfera bem densa e sufocante, com desenvolvimento satisfatório.
Vale a pena ficarmos de olho nos próximos livros.

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Cupim

Em seu romance de estreia, Layla Martínez nos traz um terror feminista de força bruta, uma casa e várias gerações de mulheres que a habitam.

O ódio e a vingança permeiam a narrativa, alternada entre avó e neta, não nomeadas, uma vez que são representantes de uma sociedade que as excluiu por serem mulheres e pobres.

A casa é habitada por vozes, fantasmas e santos, que trazem proteções e maldições, numa tentativa de equilíbrio/vingança frente a uma sociedade misógina e excludente.

Com um terror envolvente, a autora traz uma narrativa repleta de realismo mágico a um pequeno vilarejo na Espanha. O leitor vai precisar de muita coragem para entrar nessa casa!

“Esta casa é uma maldição, meu pai nos amaldiçoou com ela e nos condenou a viver entre suas paredes. E aqui estamos desde então e aqui continuaremos até apodrecermos e muito depois disso.”

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Uma casa guarda as memórias de seus habitantes, mas a casa das narradoras de "Cupim" (avó e neta) guarda mais que isso: guarda mortos e fantasmas, além de receber a visita de santas. "Cupim" se passa em um povoado espanhol e trata das memórias de quatro gerações de mulheres oprimidas e assombradas por homens, pela riqueza alheia e por preconceitos.

A premissa é interessante, mas a execução é apenas razoável. Trabalhar com narradores distintos é sempre um desafio e a autora escolheu um caminho fácil, marcando a fala de uma das narradoras por palavrões e ausência de pontuação. Além disso, senti falta de uma voz própria. Percebi influências de Saramago, Isabel Allende e Gabriel García Márquez combinadas, talvez usadas com certo exagero. As partes mais interessantes do livro são as que transmitem raiva - talvez essa seja a voz da autora? Não sei.

Um bom livro, especialmente por ser um romance de estreia.

Recomendo para quem curte histórias de terror e realismo mágico.

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3.5 ⭐

um livro curto mas que não deixa de ser impactante. utiliza de uma linguagem simples e poderosa para denunciar o machismo, misoginia e o preconceito com pessoas de diferentes classes sociais através de uma narrativa que acompanha mulheres de diferentes gerações de uma mesma família.
gostei de como os personagens não são identificados além de títulos como “avó”, “mãe”, “filha” etc, e de como utilizou elementos clássicos do horror para contar uma história que é a realidade de muitas mulheres na sociedade atual. acredito que a história irá ressoar com muitas pessoas e será apreciado, especialmente, por aqueles que gostam de literatura de terror feminista.

agradeço ao NetGalley e à editora pelo envio de uma cópia antecipada em troca de uma resenha honesta.

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