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“a ideia de uma vida para além dela parecia inconcebível, pura especulação ― tanto quanto a vida antes dela. os documentos históricos, todos os séculos, fatos e registros tinham o mesmo status de uma ficção. ela queria ler a respeito, usar as evidências como um degrau a partir do qual poderia refletir e aprender, mas não tomava essa existência como realidade. do mesmo jeito, sentia que o cérebro emperrava num limite, quando se dedicava a imaginar épocas no futuro, vertiginosas.”
sabe aquele bingo literário que as pessoas constantemente compartilham nos stories e uma das primeiras casas é algo tipo “já comprei um livro pela capa”? este livro é o que eu peguei pela capa ― embora não tenha comprado, obrigada netgalley e companhia das letras. acho que entendi que o emaranhado da capa é meio que como nós somos assim, um fone de ouvido com fio esquecido no fundo de uma bolsa que acaba se embolando inteiro e não é sem trabalho que conseguimos restaurar a ordem.
a minha visão é que nós somos esse emaranhado de todas as pessoas que vieram antes da gente, mães, pais, avós, qualquer um que tenha impactado em algum momento, vou mais longe e digo que não só familiares, mas todos os amigos que nos acompanharam da primeira infância até a vida adulta, cada um que ficou para trás em algum momento, cada um que entrou em um ponto crucial, não interessa. somos essa bagunça de fios emaranhados deixados pelos outros e a beleza está no desentranhar, no trabalho que temos de ir desembaralhando todas essas influências enquanto tentamos chegar no ponto de partida: nós mesmos.
sei lá, para mim parece bem verdade que todas as pessoas nos influenciam de uma forma ou de outra, acabam marcando por palavras ditas e não ditas, ações feitas e pensadas, tudo pelo que passaram e pelo que nos passam. mas no fim, você é quem você é ― só tem que descobrir isso. é maneiro demais ir desvendando o mistério de ser, de formar as próprias opiniões, ocupar os próprios espaços, descobrir sua personalidade e o local ao qual você pertence.
acho que é isso que a protagonista aqui tenta fazer. se encontrar, apesar do relacionamento conturbado com a mãe e a irmã, apesar do divórcio dos pais, apesar do abandono, do não-pertencimento, da sensação de ser inadequada, da família encontrada nas amizades ao invés do sangue. apesar de todos, de tudo, tudo que ela quer fazer é se encontrar. e há beleza nisso.
meu problema com o livro foi só o fluxo narrativo, de alguma forma eu senti que eu mesma me desprendi da narração, não funcionou totalmente, mas vale a pena conhecer a escrita de tércia montenegro e vale muito a pena ler um prego no espelho.