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A literatura brasileira passa por uma fase absurdamente boa. Não conhecia a autora e assumo, mas, assim que terminei de ler este livro tive a sensação de que se passava aqui no meu Nordeste, mas não, Marcela Dantés é mineira, da capital. Fiquei pensativa porque falar sobre “Vento Vazio” vai ser um trabalho difícil porque o livro é, em sua essência, uma ideia. A ideia de que o Vento é capaz de coisas e aqui entra a minha própria vivência como nordestina do interior porque sim, já ouvi frases com “Cuidado com o vento porque ele pode…“, e se você já ouviu, acho que já entendeu onde a ideia do “Vento Vazio” pode levar a pessoa.
No pequeno vilarejo de Quina da Capivara há 8 casas e 4 personagens fortes que conhecemos de formas diferentes nesta trama. Situado a beira de uma parede de pedras, o lugar recebeu uma Usina de Ventos, ou melhor, uma Usina Eolioelétrica Experimental com somente 4 Torres brancas. Talvez tenha sido por isso que associei ao Nordeste, já como no livro não há citação explícita a nenhum estado, mas a Bahia e o Rio Grande do Norte são os grandes produtores deste tipo de energia em nosso país
Acho justo explicar que “Vento Vazio” é dividido em 3 partes: “O livro do Miguel”, “O livro das outras” e “O Livro da Maura”. “O livro do Miguel”, como vocês podem imaginar, é a parte que conta a história dele, de como aquele homem preto com um pouco mais de 70 anos chegou ao pequeno lugar repleto de queimaduras, gritando e atormentado pelo fogo que queimou sua casa. Foi acolhido por Teodora, mulher bondosa que sempre acolhia as pessoas que passavam pelo lugar de alguma forma. Miguel mora na Quina da Capivara há mais de 20 anos e se tornou vigia da Usina de Ventos e já está velho a ponto de se confundir com sua própria idade, em alguns momentos falando que tem menos ou mais anos, mas talvez seja a passagem do tempo – ou talvez pareça haver algo de não confiável nele, deixando o julgamento final para quem lê.
Vamos aprendendo sobre o homem de sua infância, desde sua infância e adolescência até seu casamento tardio com Tereza e o nascimento de Dalila, filha única do casal. Quando o Livro de Miguel termina, entendemos o que o levou até o lugar onde, já tão idoso, mora agora, mas não entendemos algumas motivações justamente porque ele esconde do leitor ou talvez o vento nele já soprasse há muito mais tempo do que pensávamos. O meu julgamento sobre Miguel não foi leve, que terminou condenado em meu tribunal.
Mas foi em “O livro das outras” que me apeguei a história. Com cartas escritas de Cícera para Alma, que também mostra sua visão de algumas coisas. Todas duas personagens já foram mencionadas antes na narração de Miguel, já como Cícera é vizinha dele e Alma está namorando Paulo, morador de Quina da Capivara. Cícera tem uma história forte que ressoa em muitas mulheres: não nascida no vilarejo e sim na cidade de Candeia, conhece Éder, se casa cedo e sofre uma agressão tão forte do homem que perde um olho. Como a própria personagem diz, sem o brilho da bondade de viver e querendo só se esconder, vai para o pequeno lugar, encontrando o amor de uma forma inesperada, rendendo duas filhas: Meuri e Laura. Suas cartas para Alma são a explicação de como este amor aconteceu e os motivos pelos quais ela está fazendo um grande buraco ao redor de sua casa – acredite em mim, quando você entender os motivos, você sente aquele velho ressentimento de todos seres humanos e como eles podem ser ruins. E o vento? O vento aqui aparece corroendo a mulher de dentro pra fora em uma das suas piores formas: o luto.
Já a voz de Alma é a mais limpa. Mesmo atestado ser afetada e seu pai até mesmo acreditando que ela seja filha do vento, aqui temos uma personagem que vê no relacionamento com seus pais, Sebastião (grande figurão da região que Quina da Capivara fica) e Olga, um motivo de intensa frustração. Alma não se vê nos dois de forma alguma, tomando algumas decisões que até mesmo me deixaram surpresa pela radicalidade, mas a personagem me lembrou algo que é muito certo: não é porque nascemos de alguém que vamos ser amados ou amaremos aquelas pessoas. Algumas famílias não vem do sangue, vem do coração e de afinidade. É doloroso, mas simples assim.
Fechando o livro, temos “O livro da Maura”, que foi o mais difícil de ler, pelo menos para mim. Errática e um tanto quanto obsessiva, a personagem é tido como “doida” pela maior parte dos personagens, aparentemente incapaz de cuidar de si mesma, mesmo sendo somente uma adolescente de 14 anos, o que é complicado de entender. Sua história completa lacunas que existiam nas histórias de Miguel, Cícera e Alma, deixando claro que as ações que cada um toma em suas próprias vidas pode afetar a vida de outras pessoas em um lugar tão pequeno assim, até quando não era a intenção.
O livro ainda se encontra em pré-venda e será lançado dia 18 próximo. Tive o prazer de conversar com a autora Marcela Dantés e definitivamente vou procurar os outros livros da autora, já como este mostrou do que ela é capaz.”Vento Vazio” é o tipo de livro que você precisa investir seu tempo e confiar na narrativa porque sim, tudo irá se encaixar, como falei acima. Todas personagens têm motivos e formas de serem afetados pelo vento do título. Espero que você, ao ler, também seja..