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A literatura para muitos funciona como uma viagem, para Oscar Wilde era uma antecipação da vida, já para Fernando Pessoa era é a maneira mais agradável de ignorar a vida. Para Cesare Pavese a literatura é uma defesa contra as ofensas da vida. Reflito agora como o significado de literatura está sempre atrelado ao da vida.

Eu, leitor, vejo a literatura além de uma viagem, antecipação, defesa ou uma recusa da vida. Quando leio sinto uma transferência de lugar, espaço, tempo e consciência. A grande literatura que o poeta Ezra Pound, diz no seu ABC da literatura “uma linguagem carregada de sentido até ao mais elevado grau possível” tem esse poder de transmutação.

Esse foi o sentimento que tive ao ler “Eu vou, tu vais, ele vai” de Jenny Erpenbeck. O livro é uma chamada à ação, um apelo para olharmos mais de perto as políticas de refugiados e consideremos o impacto humano de nossas decisões. Sim, a literatura te possibilita isso, de se colocar no lugar do outro.
O romance une dois mundos aparentemente irreconciliáveis. De um lado, temos Richard, um professor emérito e especialista em clássicos, mora em uma casa perto de um lago nos subúrbios de Berlim. Aposentado e viúvo, com uma vida confortável e cujo maior problema no início da história era o excesso de tempo livre. Do outro, estão os refugiados, que passaram por experiências inimagináveis com histórico de fuga e migração.
Depois que ele vê na TV uma notícia sobre a ocupação por refugiados africanos da Oranienplatz (uma Praça em Kreuzberg, Berlim) ele decide que quer aprender mais sobre tal acontecimento. Curiosidade e tédio se combinam para fazê-lo dar o primeiro passo em uma jornada que mudará sua vida.
Quando os refugiados fazem uma mudança temporária para um asilo de idosos em seu subúrbio, Richard decide visitar a instalação e conduzir algumas entrevistas. Como acadêmico, bem versado na coleta de fatos, ele acredita que pode dar sentido à presença dos homens africanos – na verdade, ele está totalmente despreparado para o que vem ao seu encontro.Através da escrita de Erpenbeck, somos levados a entender a complexidade e a profundidade das vidas dos refugiados, cujas histórias são frequentemente ignoradas ou simplificadas pela burocracia impessoal. Richard atua como nossos olhos para o mundo dos refugiados.
Sua "pesquisa" é menos um esforço acadêmico do que uma maneira de preencher o buraco em sua vida- de nossas vidas.
Reconhecer que cada indivíduo carrega uma história única e que as condições que moldaram suas vidas são muitas vezes incompreensíveis para aqueles que não vivenciaram situações semelhantes. Imigrantes frequentemente enfrentam desafios significativos como discriminação, barreiras linguísticas, saudade de casa e dificuldades econômicas. No entanto, além dessas dificuldades práticas, há também uma necessidade profunda de serem ouvidos e em suas experiências e narrativas.
Interessante que no começo do livro, Richard se concentra observando um lago da sua janela, e lembrando-se de um homem que se afogou, e que seu corpo permanece no fundo do lago. Uma metáfora do próprio livro: traumas e memórias dolorosas muitas vezes estão enterrados no fundo de nossa consciência, fora da vista, mas ainda presentes. E é essa ideia que o romance eventualmente se concentra, mostrando a importância de olhar além da superfície e ver as pessoas por trás da história.

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