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Contos são sempre ótimas opções para o "entre leituras". Essa coletânea em especial, reunida pelo maior que temos, Jordan Peel, com histórias diversas, de autores incríveis, que trazem de forma macabra o horror negro, bem construídos, instigantes, as vezes alguns meios confusos, outros revoltantes, mas com pluralidades de gêneros dentro do horror, que com certeza, alguns, irão arrebatar você.
A questão racial, que permeia os quinze contos, é de uma importância sem igual, demonstrando em diversos estilos, questões que trazem o medo, não só em coisas sobrenaturais, mas muito reais (infelizmente). E o trabalho da editora, que trouxe tradutores excelentes, também pessoas pretas, deve ser evidenciado.
No meu caso, de todos os contos, o do Justin C. Key foi de longe o que mais me pegou. Mas o da NK Jemisin e o do Terrence Taylor, foram sensacionais também.
Me fez querer conhecer mais sobre alguns autores, que me identifiquei mais com a escrita.
Quem acompanha o site e nossas resenhas, sabe que eu sou a mulher do terror/fantasia/scifi da equipe, então surpresa zero quando surtei com o anúncio de que Jordan Peele, o sensacional roteirista (não podemos esquecer disto) e diretor de “Corra!” e “Us” iria fazer a compilação de um livro de contos, e surtei mais ainda quando soube que o livro viria pro Brasil pela minha Editora favorita, a Suma. A única certeza que tinha era de que iria ler este livro e traria uma resenha pra vocês porque sei que muitos ai fora também gostam do terror. A Editora Suma me mandou o exemplar e junto com ele vieram este pôster maravilhoso e adesivos desenhados por Lucas Owl Sheepe com personagens e símbolos das tramas. O livro está sendo publicado hoje no Brasil, então você ainda pode correr para garantir o seu também.
Mas também sabia que muitos seriam atraídos por este livro levando-se em conta os nomes atrelados a ele: o próprio Jordan Peele, mas também N. K. Jemisin e P. Djèlí Clark, entre outros grandes autores pretos. O que fica claro é que temos autores pretos com personagens pretos no centro, mostrando bem mais do que somente o terror sobrenatural em histórias assustadoras. Claro que também estava muito ciente de que um livro de conto com autores desse nível seriam incríveis e prenderiam a atenção, mas também sabia que as questões raciais estariam na trama de todos, permeando suas narrativas, seja no centro, seja como o próprio terror porque vamos ser sinceros: quem é capaz de fazer as maiores atrocidades existentes, entre elas o racismo? Estamos cansados de saber a resposta – os seres humanos. Como já falei em outras resenhas, o ser humano é mais assustador do que qualquer demônio e monstro e aqui também temos alguns humanos bem moralmente duvidosos. Se há um problema nestes contos, é que são todos curtos, realmente curtos, mas se você gosta de contos que vão direto ao ponto e que não se estendem, este livro definitivamente é pra você. Já eu, prolixa que sou, fiquei com o gosto de querer mais, muito mais, em diversos contos, que são 19 no total. Vou tentar falar rapidamente sobre todos, mas irei me ater a alguns que foram deliciosos de lerem. E se você se questiona sobre o nível de medo que senti lendo os contos, já digo que nenhum me tirou o sono pelo terror, mas sim pelas implicações e peso que nos faz pensar na sociedade e a forma que tratamos nossos semelhantes diferentes. Mas chega de divagar, vamos aos contos!
O prefácio é escrito por Jordan Peele e entrega a obsessão do autor por masmorras oubliettes (e para entender, você terá de ler), mas há uma fala que uso para falar sobre terror com todas as pessoas com as converso sobre: “Vejo o terror como uma catarse por meio do entretenimento.”. É exatamente assim que vejo o terror, uma forma de arte onde expressamos nossos maiores medos e traumas e muitos filmes de terror atualmente fazem metáforas com saúde mental ou culpa em formato sobrenatural – mas isso é assunto para outro post. Então somos apresentados a Carl, protagonista do conto “Olho imprudente”, de ninguém menos do que N. K. Jemisin. Policial corrupto, o homem acredita que pode passar impune obtendo vantagens em seu trabalho e escolhendo quem punirá vendo um par de olhos nos automóveis, já como está servindo como guarda de trânsito, fiscalizando a velocidade dos carros. Claro que o protagonista, um homem preto em um departamento repleto de brancos, está tendo problemas de ordem mental, mas a moralidade (ou falta dela, como mostra a quote acima) é o que realmente o guia em uma crescente de loucura que arrasta o leitor com. Um primeiro conto que mostra o que esta coletânea fará com o leitor, com a escrita excelente da autora.
O segundo conto é da autora Rebecca Roanhorse, de quem eu já tinha lido um conto em “Vampiros nunca envelhecem” e que trouxe um dos meus contos favoritos aqui. “Olho e dente” traz uma caçadora de monstros e seu irmão em uma viagem para um trabalho – e é só isso que você precisa saber sobre o conto mais cinematográfico desta seleção. Já “Diabo errante“, de Cadwell Turnbull, é o conto mais metafórico e mais psicológico de todos, contanto a história de Freddy, que está em um momento crucial de sua vida: a escolha de ir morar com sua namorada ou não. Mas a vida dele foi permeada por abandonos e a ênfase neles, dando ao homem a sensação de não pertencimento, até que começa a sentir a presença de algo sobrenatural – acho que preciso só deixar claro que este conto merecia uma resenha só pra ele e todo seu peso e espero, espero muito, que alguém ai leia e venha conversar comigo sobre. Em “Invasão dos ladrões de bebê“, de Lesley Nneka Arimah, temos uma complexa invasão alienígena entre nós, com gravidezes que são quase impossíveis de notar que não são humanas, culminando em um final que deixa o leitor querendo saber o que acontecerá a partir daquele momento. A autora já foi publicada aqui no Brasil, mas nunca havia tido contato com seu trabalho. Então temos “A outra“, de Violet Allen, traz Angela, uma mulher que viveu um verdadeiro inferno em um jogo psicológico com seu namorado ministrado por ele até que uma noite manda uma mensagem de texto, recebendo uma resposta da suposta nova namorada do tal ex, o que na verdade termina se transformando em um suposto caso de sequestro que termina em analogias sobre permanecer em um relacionamento no qual seu coração pode ser arrancado fora do peito ou talvez você tenha que arrancar o coração do outro.
“Lasirèn“, o conto de Erin E. Adams, conta a história de Wideline e suas irmãs Lovelie e Marie, sendo que uma é levada pelo mar. Com diversas palavras em crioulo haitiano, já como a também atriz é do Haiti, é um conto quase etéreo, uma história para crianças, mas de terror, com o titulo querendo dizer exatamente o que pensamos. Na sequência temos “O viajante”, de Tananarive Due, que se passa em Maio de 1961, em meio a segregação racial tão violenta imposta nos Estados Unidos com duas irmãs indo participar de protestos. É revoltante e enauseante a forma como a separação física se dava nos Estados Unidos em um tempo nem tão longe assim – estamos falando de 60 anos atrás – lembrando ao leitor que precisávamos aprender com o passado para nunca mais repetirmos os mesmos erros (spoiler: não estamos melhorando como sociedade como deveríamos). O terror da vida real foi maior do que qualquer outro terror que poderiam apresentar, mas, ainda assim, a autora consegue entregar uma figura misteriosa que é capaz de ajudar as irmãs quando elas caem em uma emboscada em um dos melhores contos do livro. Este conto poderia facilmente ser um livro e pesquisando sobre a autora, fiquei surpresa com a lista de títulos publicados por ela, infelizmente a maior parte não disponíveis em português.
Em “O esteta“, de Justin C. Key, temos um conto de ficção cientifica com um personagem principal que é uma Obra de Arte – uma especie de ciborgue ou robô com aparência humana. Ao longo de muitos anos, acompanhamos trechos da vida do ser em uma sociedade que transmite suas vidas em lives, aceitando comentários e pagamentos por isso – talvez não estejamos tão distante de um possível futuro assim, pensando bem. “Sob pressão“, de Ezra Claytan Daniels, também roteirista e tendo seu primeiro conto publicado, traz uma reunião de família do personagem principal com os 2 primos de sua geração, Katy e Andrew. Apelidados pela família como “Bondade, Maldade e Feiura”, fica claro para o leitor o preconceito da própria família branca com nosso protagonista miscigenado, com um até mesmo Andrew sendo racista com ele de uma forma dolorosa quando crianças, contado através de um flashback. A pressão do titulo se dá através da pressão auricular que nosso protagonista está sentindo depois de viajar de avião, mas também na forma da ansiedade de lidar com a família, de encontrar depois de anos com pessoas que ele ama, como Katy, e pessoas que ele quer distancia, como Andrew. Mas parece haver uma ameaça lá fora, culminando em uma explosão de terror não identificada e confesso que se houvessem mais explicações, provavelmente seria meu conto favorito. Temos então “Casa escura”, de Nnedi Okorafor, o conto que mais tive raiva lendo porque a protagonista faz todas as escolhas erradas – e erradas mesmo. Sofrendo com a morte do pai, tendo sido criada só por ele, já como a mãe morreu com ainda pequena, Nwokolo, leva o corpo do pai para ser enterrado na Nigéria, país natal do pai. Mas ela resolve enfrentar alguns espíritos antigos e levar consigo de volta para os Estados Unidos um anel do pai – e claro que isso não é nada inteligente. A autora é conhecida por aqui pela série “Bruxa Akata”.
“Cintilação”, de L. D. Lewis, é um conto sobre o apocalipse e suas formas: aqui a personagem principal Kamara vê sua visão “falhar” por alguns segundos, a medida que o mundo entra em colapso e as “falhas” demora mais a passar e sua visão voltar. O tipico apocalipse de tentar correr para algum lugar e se salvar se inicia quando um desastre acontece, mas sabemos bem como histórias assim terminam. “A mulher Obia mais forte do mundo”, de Nalo Hopkinson (autora de graphic novels já lançadas aqui que se passam no universo de “Sandman”), é o conto com maior mitologia de todos: contando como Yenderil, uma jovem que treinou e lutou contra o famoso demônio da gruta que havia matado seus pais, há um pequeno plot twist nesta trama que me agradou bastante, com seu gore acontecendo na parte final e a força de uma garota que faz o inesperados.
Em “O problema de Norwood”, de Maurice Broaddus, é um conto tão absurdamente lirico e lindo em seu formato que é capaz de inspirar qualquer pessoa – mas não se engane, a história aqui é assustadora em todos sentidos, como mostra o quote logo mais abaixo. O medo que o pai da pequena Flora a inflige não é somente para fazê-la obedecer: é uma forma de sobrevivência em uma época na qual pessoas pretas não podiam andar e nem frequentar lugares que pessoas brancas frequentavam, época já revista nestes contos, como já mencionei acima. Quanto tudo começa a dar mortalmente errado, a família da garota irá precisar da ajuda dos espíritos protetores para conseguirem sobreviver. “O luto dos mortos”, de Rion Amilcar Scott, é um conto forte em uma metáfora sobre o luto – ou talvez seja somente uma ideia sobre zumbis e a morte de pessoas que amamos, a interpretação fica ao cargo do leitor, logicamente. Já “Um pássaro canta próximo à árvore entalhada”, de Nicole D. Sconiers, é um conto sobre uma garota morta em um acidente de carro que ficou presa na estrada na qual o acidente aconteceu. Durante anos ela joga um jogo com sua amiga também fantasma para ver quem mais mata pessoas pela estrada, um jogo sádico mas que parece ser a única coisa a se fazer para dois espíritos presos pela eternidade em um espaço restrito, causando uma certa claustrofobia no leitor.
“Uma fábula americana“, de Chesya Burke, é o que conto que se você chegar até ele sem chorar, aqui você irá. Com um soldado chamado Noble no centro da história que se passa em 1918 e que lutou pelos Estados Unidos, vemos o quão racista o país podia ser (ainda pode) em uma história cheia de desilusões e expectativas quebradas, com a ajuda de uma garota que escolhe uma família – mas essa garota não é “só” uma garotinha. Em “Seu lugar feliz“, de Terence Taylor, somos jogados em um conto de ficção onde um preso se oferece para participar de uma experiência radical de reforma nas prisões. Parece ser insano demais quando você começa a ler, mas quando lembramos que a IA está ai, já convivendo conosco, não se torna tão absurda assim. Então temos “Esconde-esconde“, de P. Djèlí Clark (autor de “O Mester dos Djins”, o qual resenhei), que é o melhor conto em minha opinião. Dois irmãos de doze e seis anos, Jacob e Jamie, vivem coma mãe na antiga casa da família materna, o pai já falecido. Os garotos têm uma mãe branca e um pai preto, com Jamie tendo os olhos verdes do pai, mas Jacob tem os olhos escuros do lado materno da família, com o avô aceitando a família da filha de volta por que bem, o que se poderia fazer? Com a morte do avô, que era um notório feiticeiro, a mãe se torna uma viciada – mas em lixo de magia e não em drogas. Acredite em mim quando te afirmo que este é o melhor conto porque é um belo conto sobre como nossos piores medos podem morar em nossas casas, tudo misturado com o sobrenatural – quando termina, o leitor só quer mais. Encerrando o livro, temos “História de origem“, de Tochi Onyebuchi, com 4 garotos brancos conversando sobre pessoas não brancas. O conto mais diferente, em um formato de roteiro, temos quase as imagens em nossa imaginação a medida que vamos ficando nauseados com a ideia que passam pela cabeça dos adolescentes.
As reflexões que todos esses contos trazem são válidas e, principalmente, de cunho social, a metáfora que Jordan fala no prefácio: a utilização de histórias de terror para falar sobre a cultura preta que muitos ainda não conhecem, que chega na forma de ajuda, mas também cenas explicitas de terror, racismo e violência, principalmente nos contos em tempos passados, mostrando o horror real que estar pessoas já enfrentaram. E é assim que quando você termina o livro, sua mente está repleta do mais puro medo: medo do escuro, medo do desconhecido, medo do que há depois da vida (para aqueles que acreditam – ou também quem não acredita), e, principalmente, medo dos humanos. Sinceramente, tenha medo ao gritar porque a resposta pode vir em formato pior do que o silêncio: você pode ouvir uma resposta.
Nessa coletânea de contos vamos embarcar em histórias de terror cósmico, mitologias e crenças africanas, criticas sociais sobre desigualdade, racismo e muito mais. Essa é uma antologia de contos editada por Jordan Peele e John Joseph Adams, e como uma boa entusiasta do terror era óbvio que eu iria ler! Confesso que não gostei da leitura, a grande maioria dos contos é interessante no começo e termina muito mal, fiquei com a sensação de que faltou alguma coisa em várias histórias.
Vamos aos contos que achei mais interessantes .. Em "Olho e Dente" temos dois irmãos contratados para lidar com algo em uma fazenda no interior, mas eles nem imaginam o terror que os aguarda. O conto tem uma boa tensão e você fica com uma sensação de perigo o tempo inteiro.
Em "Invasão dos ladrões de bebês" temos alienígenas engravidando mulheres por algum motivo e tentando dominar a terra no processo. Nesse conto eu gostei demais do pano de fundo da história, mas achei que o final deixou a desejar.
Em "A outra" uma ex-namorada recebe mensagens perturbadoras da namorada atual e as coisas começam a ficar preocupantes quando ela descobre o que aconteceu com o homem. Essa foi uma boa leitura, bem perturbadora e envolvente!
Já em "Cintilação" um trio tenta sobreviver a apagões que estão acontecendo no mundo todo, uma mistura de terror psicológico com terror cósmico, é uma história interessante, mas sem muita explicação. E por último temos "Esconde-Esconde", é uma história sobre vícios, laços familiares e poderes sobrenaturais. Gostei demais dessa!
Durante a leitura eu senti que faltou um pouco mais de trabalho nos contos, também acredito que o pessoal focou na quantidade de autores e esqueceu de focar na qualidade dos contos, mas isso não quer dizer que os autores são ruins, na verdade, gosto da grande maioria que escreveu nessa coletânea. Contudo, não gostei da leitura e como todo mundo sabe um livro de contos é uma grande caixinha de surpresas, então talvez essa leitura funcione melhor para você. Por isso, é sempre bom ler e tirar suas próprias conclusões!