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“Conte-me uma história”. Assim começa “Rio Sangue”, o novo livro do escritor cearense, é um livro que pode passar despercebido para os leitores nas estantes das livrarias, embora seja lançamento, afinal, quem quer ler sobre Brasil Colonial. O livro não tem os temas ditos urgentes e necessários de acordo com o algoritmo. Ledo engano. A narrativa de Rio Sangue imagina, recria, reconta e torna mitológico o período colonial no interior do Nordeste e, consequentemente, do Brasil. É justamente por essa narrativa fundadora que o escritor justifica e explica as grandes problemáticas do nosso país contemporâneo: o racismo, o desmando, as elites de rapina, patriarcalismo e exploração ambiental.
Rio Sangue foi uma das melhores leituras do meu ano. Não apenas como historiadora, pois obviamente uma narrativa histórica sempre chamará minha atenção, mas como leitora. Pois, é palpável na escrita o cuidado e o trabalho de pesquisa realizada por Ronaldo. É tudo historicamente crível, assim, dá um tom de seriedade ao universo colonial empreendido. Sendo por isso que de maneira literária a narrativa é de uma elegância e distinção, pois ela não se fecha em uma dualidade pobre de “ruins versus bons” ou entre “colonizador versus colonizado”, toda personagem aqui é rica em detalhes existindo em um ambiente hostil em que cada um exerce um papel naquele microcosmo, permeado por tensões de forças desiguais.
A saga é a dramática formação do interior do Nordeste brasileiro em em suas histórias como um rio, repleto de sangue do horror colonizador, que corre pelo sertão até desembocar no mar. Como diria Guimarães Rosa, o Sertão é do tamanho do mundo. É neste espaço histórico-mitológico que o interior nordestino (especialmente o Ceará) de Ronaldo Correia de Brito surge e se reinventa por meio da literatura.
“Rio Sangue”, inclusive, me faz recordar de um momento da minha graduação. Aula de campo no interior do Ceará para ver uma casa colonial no meio do sertão, onde tudo o que existia era o Sol, a casa, o espaço e o elo temporal - passado, presente e futuro. O que me leva a dizer: tudo o que está posto neste livro é invenção literária, mas quase tudo aconteceu.