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Em 'Condições Ideais de Navegação Para Iniciantes' vamos encontrar diversas narrativas curtas que vão tratar de experiências formadoras de um indivíduo na infância, o cotidiano de pessoas neurodivergentes ou das vivências LGBTQIAPN+ no Brasil.

Neste livro a autora brinca com a linguagem para construir tramas que com certeza vão agradar tanto aos leitores mais fiéis de sua obra quanto aos que iram conhecê-la a partir desta, já que aqui ela se arrisca por territórios nunca antes explorados pela mesma.

Acho que já não é novidade para ninguém aqui o quanto sou fã do trabalho da Natália, não é? E quando eu soube do lançamento deste livro fiquei super empolgada e ansiosa para fazer a leitura. 

E ela me surpreendeu bastante, pois eu não estava esperando me deparar com tamanha diversidade de gêneros literários dentro de uma só obra. Aqui a autora vai do aparentemente banal e mais cotidiano até o sobrenatural para discutir temas como: relacionamentos amorosos, relações familiares, saúde mental, gênero... ou seja, uma mistureba danada, mas uma mistureba gostosa e que traz reflexões importantíssimas, assim como em tudo que a Natália escreve. 

Seus personagens são extremamente reais e palpáveis, com personalidades extremamente complexas e por isso mesmo a identificação com cada um deles é muito fácil. As descrições de cada ambiente assim como das características de cada personagem é perfeita, o que nos faz mergulhar ainda mais em cada narrativa.

Recomendo muito essa leitura!

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Já conhecia Natalia Borges Polesso de ler um livro que se passa em um Brasil politicamente fora do rumo, escrito antes da pandemia e que assustava porque quando foi publicado, já estávamos em pleno isolamento social e as pessoas fugiam de um vírus que as faziam se transformarem em zumbis: “Corpos Secos” foi uma das minhas melhores leituras de 2020, então minha expectativa para “Condições ideais de navegação para iniciantes” era alta, mesmo sendo um livro de contos – “mesmo” entre aspas porque já aprendi a amar contos sim, mas também ainda sinto bastante de saber mais sobre aquelas personagens que passam tão brevemente por nossas vidas. Entretanto, Natalia conseguiu uma proeza aqui e me dei por satisfeita em cada um dos contos que este livro nos apresenta, sem me deixar com aquela sensação de que poderia haver mais.

Se você é do tipo como o meu antigo “eu”, que não gostava de contos e de como eram desenvolvidos, fica aqui a dica mais do que dada: temos 11 contos repletos e completos em si mesmos, cada um com um ponto de apresentação, indo da ficção até uma história sobre lésbicas motoqueiras com bastante representação e muito, muito bem escritos e, na verdade, enquanto eu escrevia este paragrafo, me dei conta que poderia ler bem mais sobre A Velha Anta – e calma que já falarei sobre ela porque sim, é uma mulher (e que mulher!) que sabe o que quer e a que veio neste mundo (mesmo que literário) e se estamos no mundo é para enaltecer mulheres sendo badass. E esta é uma trama sobre preconceito bastante atual e crível, nada do gênero fantasia.

O conto que abre o livro se chama “A descoberta dos metais”, já começa dando um soco no estomago no leitor: uma criança deixada por seus pais com os avôs, morando em um interior, que ganha a alcunha de “Onça” de tão braba que é, mas ela só não suporta que meninos maltratem meninas ou os mais fracos, sendo normalmente chamada na escola para vingar e cuidar destes grupos mais vulneraveis. Tudo explode quando ela leva a faca de casa, a única relíquia da família, por assim dizer, para a escolha, e termina esfaqueando o colega que pegava no seu pé. Logo em seguida, o tom continua alto com “A vida é uma equação diferencial ordinária” contando a história de Adriana, tão ordinária e tão real sobre uma jovem que se encontra perdida, a deriva, sem realmente saber para que lado seguir, a partir da morte de sua avó. Conto bastante cru e direto sobre depressão, sentido da vida e a falta de direção que guia muitos de nós atualmente.

“Tatuilha” é o terceiro conto, difícil e poderoso sobre aceitação, perdão e relações familiares, começa com uma simples ida a praia por uma família, se desenrolando em algo que o leitor não espera a principio, mas que vai marcando cada página lida. Já “Uma boa pessoa” foi o conto que me fez passar uma raiva gigantesca porque a protagonista, Marcela, uma mulher adulta, prefere não ouvir nenhum amigo, nem mesmo sua própria consciência, aceitando o relacionamento tóxico com Maisa, se deixando pisar até o limite do imaginável, mas que também assinala a incerteza da nossa protagonista sobre quais caminhos tomar.

Então temos o quinto conto, que dá o titulo ao livro: “Condições ideais de navegação para iniciantes” traz uma personagem narrando sua primeira ida a praia e seu contato com o mar em uma narrativa cheia de questionamentos e revelações sobre sentimentos, expectativas e visões de vida, que nos faz pensar sobre inseguranças, ansiedade e todos sentimentos de não pertencimento, e por isso disse que este conto é um tanto quanto cheio de questionamentos porque acho que é da natureza de quem lida com essas sensações começar a se questionar quando elas se instalaram em nosso peito – eu sei que já pensei. Já o conto “Eu não sei o que é o this do que os sweet dreams são feitos” foi um conto que me ganhou no titulo só pela referência a Annie Lennox e um dos maiores hinos musicais de todos tempos e que traz uma personagem não binária morando em uma repúblico, algo em comum entre personagens de diversos contos nesta antologia, a tentativa da independência também presente em diversos momentos deles, independente do resultado. “Temporal” traz a dor de um amor que terminou, mas que ainda chama e queima no peito de alguém que acredite que irá ficar só para sempre.

“Daphne ou o primeiro não” é um conto para mulheres que sabem que não devem depender de ninguém, nem mesmo quando estamos apaixonadas e casadas e temos filhos com alguém, e devemos ensinar nossas filhas exatamente isso – definitivamente um dos meus contos favoritos aqui. “Cratera” foi o conto que mais me fez pesquisar porque fiquei completamente em choque ao saber do Pingualuit, uma cratera no Canadá com a segunda agua mais pura do mundo e quem tem peixes vivendo lá, mesmo sem explicação sobre como eles chegaram lá, já como não nenhuma ligação com nenhuma corrente de água, tudo isso em um conto que envolve questionamentos, física (acredito que sim, hein, multiversos!) e um amor capaz de fazer nossa respiração prender um segundo.

Então temos o meu conto favorito: “A Velha Asna e as lésnicas de motocicleta”, errado assim, que é uma história que vale a pena todas as pessoas lerem na vida. Beatriz se tornou A Asna ainda criança por causa de um apelido na escola, crescendo e arrumando um trabalho que lhe apresentou um dos seus melhores amigos, que entendeu sua sexualidade antes mesmo dela falar. A jornada de A Velha Asna seria quase calma se ela não cruzasse com um vizinho horrendo e homofóbico – e desse exatamente o que ele merece. Maravilhoso! Encerrando, temos o conto “As gêmeas lentas” sobre encontrar pessoas com o mesmo nome. Não posso dizer que a vida acontece em águas com condições para navegações perfeitas todos os dias, mas posso afirmar pra vocês que quando encontrarmos bons livros e boas leituras, a navegação fica até mais fácil – ainda bem.

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