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Comecei a leitura de “Dentro do nosso silêncio” sabendo muito pouco da trama por escolha minha: não li a sinopse, mas sabia ser o livro ganhador do Jabuti 2023 na categoria Entretenimento, que falava sobre as dificuldades de uma mulher em conseguir engravidar e o colapso do seu casamento. Não sou acostumada a isso e normalmente pesquiso bastante sobre as tramas (antes sobre o que lerei, mas sem spoilers, e depois da leitura porque gosto de ver como o livro esta sendo visto por outras pessoas), mas aqui simplesmente confiei na trama e me surpreendi em todos sentidos que vocês possam imaginar. A própria escrita da autora é crua, dura e direta – não espere palavras seguradas por qualquer personagem com medo de magoar outra pessoa, não espere que a inveja não prevaleça em diversos momentos a ponto de gerar raiva, não espere que a pena não tome conta de seus sentimentos em muitos pontos: pena de uma mulher que está se desfazendo a cada página lida, mas também se reencontrando e se reconstruindo novamente em outras páginas.
Tendo uma trama urbana em uma grande capital, mas saindo do eixo Rio – São Paulo e se ambientando no Recife, acompanhamos a jornada de Ana em duas linhas temporais: o presente, já solteira e com mais de 30 anos, lidando com as consequências emocionais do seu casamento falido e o estigma de não ter conseguido engravidar; e o passado, desde o começo do seu casamento feliz com Samuel, a decisão do casal de tentar ter um filho biológico até encararem que falharam como parceiros. E o posso afirmar é que é doloroso, muito doloroso, de acompanhar. Não temos aqui uma leitura para todas as mulheres, mas todas mulheres deveriam ler este livro.
Com um casamento ainda novo e com suas carreiras também em começo, parecia natural que Ana e Samuel focassem primeiro em seus trabalhos, ela em uma Editora e escrevendo receitas e reviews de restaurante e afins em seu blog Malagheta, e ele em sua também recém-fundada companhia de construção, os dois com suas formações superiores nas áreas de atuação, com o mundo parecendo que se dobraria a uma vida repleta de felicidade e amor, até que uma suspeita de gravidez faz Ana se assustar com a ideia de já ser mãe. Contudo, ao fazer o exame e este negativar, ao ver a decepção de Samuel, Ana conversa com o marido sobre a possibilidade de parar de tomar anticoncepcional e se tornarem pais. O que ela não imaginava era que o início de uma jornada que (acreditava) lhe traria tanta felicidade foi o começo de uma perda irrecuperável. E não, não estou falando do casamento, estou falando dela própria.
A forma como a gravidez não acontece é tão natural quanto algumas mulheres conseguem realizar seu desejo, levando Ana a procurar ajuda médica. Exames, dias marcados para estar com o marido, testes negativos. Tudo isso vai tendo um custo forte na saúde mental de Ana, que foi se perdendo na sensação de fracasso porque ela mesma se cobrava, e não me entenda errado, não acho que era algo intencional, é simplesmente a pressão que algumas pessoas fazem sobre si mesmas. E confesso que desde o começo achei o Samuel bastante egoísta em aceitar já começarem a tentar terem o bebê e, pra mim, só foi piorando ao não entender o inferno pessoal que Ana estava passando. Não desmereço que também era difícil para ele, mas quem estava no centro daquela jornada era Ana. E tudo foi por água a baixo até a mulher não aguentar mais e dizer que não queria mais tentar – ou ter filhos.
Ana tem um problema grave que ressoa em mim de todas as formas que não consegui entender: ela não pensa em adotar um bebê. Sim, ela tenta fertilização in vidro mas chega ao ponto de não conseguirem óvulos viáveis para feminização, então por que não adotar? Sei que é um processo burocrático e chato, mas é gratuito – não que este seja o problema do casal, que claramente pertence a classe média alta. Só me parece uma possibilidade que eles sequer cogitam e me incomoda o motivo. Me incomoda essa necessidade de ter que ter os gens cravados em alguém porque o amor é muito mais do que genética ou um queixo “de família”. Me incomoda saber que há crianças aí fora que precisam de proteção, cuidados emocionais e físicos e muitos casais que querem um filho não cogitam adotar simplesmente por este motivo. Mas isso é uma opinião pessoal minha, e, claro, cada um tem direito a ter a sua e, também, não é o centro da narrativa e sequer a ideia central do livro, que é a jornada de uma mulher para engravidar.
Já divorciada, Ana tenta juntar os cacos de sua vida e falha miseravelmente até saber que Samuel está seguindo com sua vida, mas aqui preciso fazer um parênteses para falar da vida familiar de Ana antes de seguir somente com ela: a mãe de Anna morreu quando ela tinha 12 anos e Maria, sua irmã mais velha, tomou em parte o lugar deixado. Seu pai, Humberto, nunca aceitou se casar depois da morte se Sônia, e Ana e Maria tinham o tipo de relacionamento perfeito entre irmãs até que Ana cai em um mar de egocentrismo insano em sua jornada por engravidar, sem ao menos compartilhar suas dores com sua irmã e seu pai. É questionável demais as escolhas da personagem no começo da trama em relação a este núcleo familiar e a medida que a trama avança, mesmo sendo empática com a dor de nossa protagonista, senti um profundo incômodo com Ana a ponto de precisar me lembrar do lugar que ela estava – só não a perdoei ainda completamente.
Tentando continuar, Ana decide sair da Editora e abrir uma confeitaria, algo que o próprio ex-marido já dizia para fazer, já como fazia sucesso reproduzindo as receitas de sua mãe. Começa a sair com Murilo e tudo parece que vai começar a se mover para frente, mas algo em Ana a trava, a fazendo tomar as piores escolhas possíveis (principalmente com Maria), não confiar e afastar as pessoas e, por isso, quando a trama termina, tive a sensação de que havíamos voltado para o começo. Superar tudo que aconteceu não parecia ser suficiente para Ana: ela precisava mudar e não acho que isso aconteceu.
O melhor adjetivo que posso definir “Dentro do nosso silêncio” é o já mencionado cru – é um livro tão real que é cru. As brigas e ofensas são ditas quase que cuspidas, a dor é brutal, a frustração é crescente e o leitor sente tudo isso enquanto vai lendo. É um livro escrito por uma mulher com sua vivência no assunto, feito para outras mulheres que passam pelo mesmo, mas também para mulheres que pensam sobre a maternidade, para mulheres que não sabem lidar com sua vontade de serem mães e não estão conseguindo, para as mulheres que não desejam a maternidade, para as mulheres que não podem gestar – é um livro para todas essas mulheres aí fora sentirem que não estão sozinhas em suas próprias escolhas.
Achei uma leitura rapida, facil.
A personagem principal é uma pessoa muito egocentrica, acha que o mundo orbita ao seu redor, nao se da conta dos sentmentos dos outros, lhe falta empatia
O livro transita por dois tempos e senti necessidade de ouvir as vozes das outras personagens.