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Em seu livro de estreia, Johanna Copeland já chega mostrando uma intensidade ímpar.
Nosso tipo de jogo ( Our kind of game) traz uma narrativa de mistérios, verdades parciais e escondidas e várias realidades. Temos acesso a duas narrativas do tempo e a três pontos de vista diferentes, todos femininos. O livro faz questão de focar no feminino, nas lutas pela sobrevivência, indo desde os desafios da maternidade até a violência doméstica.
No entanto, as mulheres são tanto as heroínas quanto as próprias vilãs, sendo que vivem em uma realidade formada por homens tóxicos.
Nosso tipo de jogo mostra a intrincada necessidade do jogo feminino, nas questões perante a sociedade e perante a própria família. Uma história repleta de reviravoltas, algumas mais óbvias, como a conexão entre as personagens protagonistas (talvez intencional). Mas os plot twists são mostrados o tempo todo, trazendo ao leitor uma trama de primeira linha. Uma leitura que precisa ser feita de um só fôlego, mas que nos deixa refletindo por um tempo. Não é apenas um mistério bem construído, mas uma boa análise do universo feminino.
Sou bastante sistemática com tudo em minha vida e por regra, nunca demoro para escrever uma resenha, já como gosto de estar com todos sentimentos da leitura bastante vivos em mim. Mas, de alguma forma, “Nosso tipo de jogo” precisou maturar dentro de mim. Precisei respirar fundo e pensar sobre a trama porque não foi uma leitura fácil no sentido de densidade e nem fácil de entender em sua superfície, mas a medida que me aprofundava na narrativa, sentia que havia mais do que só uma trama sobre mulheres – sim, aqui temos as mulheres no centro, em papeis de protagonistas como mocinhas, anti-heroínas e vilãs, tudo com elas, escrito por uma autora que mandou absolutamente bem em suia escrita e velocidade da trama.
Mas por que precisei pensar sobre, você pode se questionar, e respondo que é porque a trama entrega diversas reviravoltas, algumas bastante previsíveis, preciso afirmar, mas uma delas me irritou bastante porque acreditei ser simples demais e de um jeito muito, muito ruim – mas então houve o plot twist do plot twist e confesso que me perdi um pouco em tanta informação até entender tudo. Enfim, no resumo: se você quer uma trama feminina, com algumas das personagens mais centradas e outra beirando algum problema de personalidade, você pode e deve se jogar em “Nosso tipo de jogo” sem medo: é o tipo de livro que pessoas como nós amamos. Agora vamos destrinchar um pouco da trama, tudo sem spoilers, é claro, porque temos poucas informações na sinopse.
Há 3 telinhas temporais nesta narrativa: Outono, que presumimos ser em nosso tempo atual e descobrimos depois que é outono de 2019; Primavera de 1987 e Abril de 2015. Com tempos tão distintos assim, somos apresentados a protagonista Stella no outuno de 2019, vivendo sua vida muito estável no subúrbio com seu marido Tom e seus filhos adolescentes Colin e Daisy. Stella era uma advogada que deixou sua carreira de lado para se dedicar aos filhos enquanto o marido caiu de vez no trabalho. Ao mesmo tempo que Stella adora aquela vida doméstica, cuidando um pouco de si e somente da família em uma casa grande, ela também sente uma pontada de ressentimento do marido poder não atender ligações e ser pai e marido em momentos que ele escolhe ser, enquanto sua vida está focada no trabalho. Acredito que muitas mulheres devam se identificar com a personagem e confesso que não gostei de Tom, o tipo homem casado confortável com sua vida, fazendo as escolhas financeiras enquanto relega a esposa a cuidar da casa. A vida dela vai muito bem até começar a desconfiar que Tom está tendo um caso com uma vizinha.
Já na Primavera de 1987 conhecemos Julie, filha mais nova de Sharon. A vida da jovem parece a principio somente uma vida de adolescente simples, focada em tentar uma vaga no time de lideres de torcida do seu colégio, mas vamos percebendo que a irmã mais velha de Julie, Paula, foi embora ao engravidar, e a mãe simplesmente a deixou ir. Julie tem um “padrasto”, o novo namorado da mãe, que se importa de uma forma horrenda, aquele complexo de que homem que manda na família – e olha demais para a enteada. Mas é a mãe de Julie que parece ter um comportamento um tanto quanto exótico e diferenciado, gostando de jogos – que tipos de jogos são esses é que não sabemos ainda.
Por fim, em Abril de 2015, encontramos Paula, a irmã mais velha de Julie e vamos nos inteirando o que aconteceu com sua vida e onde ela está agora. Mas é tanta reviravolta neste ponto que me permitam só o mencionar a personagem e pronto, sem dar grandes explicações sobre porque acreditem em mim, vocês irão querer ler tudo sem saber de nada mais. Só aviso que se preparem para terem voltas dadas em suas cabeças e não é por qualquer motivo que vocês estejam pensando agora – aposto com vocês.
Lembram que falei acima que alguns reviravoltas eram bastante previsíveis? Então, algumas realmente o são e nem vou mentir sobre isso. Quem gosta de um bom suspense começa a se questionar desde começo como a história de Stella irá se encontrar com a de Julie, Paula e Sharon, e claro que teorias são formadas, deixando pistas sobre o que acontece. Seja como for, nesta parte, não há como não se surpreender com a escrita e forma como a autora Johanna Copeland leva a narrativa, amarrando todas as pontas de uma forma bastante dura para pessoas que enfrentaram todo tipo de trauma como estas personagens. Não falei sobre os traumas das personagens e sobre suas vidas? Pois então se prepare porque aqui vem o soco no estomâgo: todas estas mulheres foram forjadas na dor, crescendo em um mundo machista que acredita que o lugar da mulher é relegado a uma cozinha e não podem reclamar, nem mesmo quando há violência domestica em diversas formas e – e aqui um sincero aviso: há violência sexual nesta trama, então se você se sente desconfortável ou é sensível ao tema, pense antes de lê-la porque não há como ignorar o que aconteceu aqui.
O clímax deste livro não chega em uma apoteose de acontecimento, mas sim são eventos que vão sendo contados desde as primeiras páginas, momentos que parecem corriqueiros e outros nem tanto, e quando uma reviravolta parece ser simples demais, suspeite porque nada parece tão simples e entregue como a principio. Acho que este foi meu principal erro em relação a esta trama porque estou começando a acreditar que sempre acerto a reviravoltas e aqui confesso que ainda bem que haviam mais elementos para, mais uma vez, subverter todas nossas expectativas. Paula se tornou uma personagem que ficou comigo mesmo quando a trama terminou por toda força que apresentou na trama e por diversos motivos.
Um ponto que acho essencial para quem quer ler esta trama é entender que nem toda narradora é confiável, mas nem toda narradora não-confiável será desonesta. Acredite, isto não é não comum assim porque um narrador não-confiável quer que acreditemos no que esta contando sem realmente entregar a verdade, e como o leitor pode julgar o que acontece sem conhecer a verdade? Só que às vezes, a verdade é tão cruel e tão violenta que é melhor acreditar em uma história mais fácil, reinventando verdades e criando um mundo simplesmente melhor, em um jogo do tipo que parece não ter fim, mas que esperamos que traga algum tipo de felicidade para quem o presencia.